Natália Cavaleiro Costa: “A cerveja tem um alto valor nutricional”

Natália Cavaleiro Costa: “A cerveja tem um alto valor nutricional”

Entrevistas

Natália Cavaleiro Costa: “A cerveja tem um alto valor nutricional”

A nutricionista Natália Cavaleiro Costa aborda, em conversa com o paraeles, vários temas da ordem do dia a propósito do chamado estilo de vida saudável. Tendo participado da 1.ª “Beer Runners”, revela-nos também os principais benefícios da cerveja no nosso organismo.

Artigo de Hugo Mesquita

21-01-2020

Talvez em nenhum outro período da história foi tão popular o adotar um estilo de vida saudável. Esta “conquista” foi em grande parte conseguida por conta das redes sociais. Apesar disso, naturalmente, nem só coisas positivas se podem retirar deste fenómeno. A propósito deste tema e de muitos outros temas, falámos com Natália Cavaleiro Costa, nutricionista e consultora dos Cervejeiros de Portugal.

Natália foi uma das participantes 1.ª “Beer Runners”em Portugal, que decorreu no passado dia 3 de novembro, em Lisboa. Uma prova de corrida que visa aliar a prática de exercício físico com a partilha de uma cerveja com os amigos. Como? Com uma cerveja à nossa espera no final da prova. A nutricionista contou-nos quais os vários benefícios que a cerveja pode ter no nosso organismo e não deixou de abordar outros assuntos como o veganismo ou a eterna dúvida entre fazer várias refeições ao longo do dia ou apenas as três principais.

A nutricionista apontou ainda aquele que é, na sua opinião, o erro mais crasso que o português comete nas suas dietas. E fez ainda um pequeno vídeo para o paraeles em que revela três dicas fundamentais que todos os homens devem adotar no seu dia-a-dia.

“O que acontece com a cerveja, acontece com outras bebidas alcoólicas e, perdoem-me a audácia, até com os refrigerantes”

O álcool em geral e a cerveja em particular são normalmente associados a um estilo de vida pouco saudável. A Natália, como nutricionista e consultora dos Cervejeiros de Portugal, tem uma opinião diferente. Pode explicar?
A cerveja pode ser enquadrada num estilo de vida saudável, desde que o seu consumo seja moderado e responsável. Associamos à cerveja um estilo de vida descuidado, com a famosa barriga, uns quilinhos a mais e pouca ou nenhuma atividade física. E é precisamente isso que queremos desconstruir. O que acontece com a cerveja, acontece com outras bebidas alcoólicas e perdoem-me a audácia, até com os refrigerantes. Há consumidores destas bebidas em larga escala, e que as acompanham com alimentos ricos em gordura, sal ou mesmo açúcar. Agregado a tudo isto, são ainda altamente sedentários.

Num artigo publicado em 2018, em Espanha, com o titulo Impacto da Ingestão Moderada de Cerveja e Saúde Cardiovascular , foi pedido a um grupo de 60 voluntários que ingerissem diariamente, no caso dos homens 400ml de cerveja (30g de álcool) e nas mulheres 200ml de cerveja (15g de álcool ), mantivessem a sua dieta e atividade física. Após 12 semanas verificou-se a manutenção do peso, assim como o perímetro abdominal, deitando por terra o mito de que a cerveja faz aumentar o peso e o volume abdominal. Outro dado interessante foi o aumento da capacidade antioxidante da lipoproteina HDL (o chamado bom colesterol) diminuindo assim os efeitos oxidativos da LDL ( mau colesterol), oferecendo maior proteção cardiovascular, evitando o deposito lipídico nas artérias.

“Quantidades moderadas de álcool têm um efeito protetor na saúde cardiovascular”

Sabe-se que quantidades moderadas de álcool, têm um efeito protetor na saúde cardiovascular. Em média uma cerveja não ultrapassa um teor de 5º de álcool, o que se comparamos com o vinho podemos dizer que o teor alcoólico é ainda menor. O importante é no final da linha tudo fazer sentido. E como? Havendo uma dieta pilar onde o consumo moderado de cerveja possa ter lugar e essa é a dieta mediterrânica.

Classificada como património mundial e imaterial pela UNESCO desde 2013, essa dieta privilegia um consumo de fruta fresca e produtos hortícolas da época, cereais não refinados e leguminosas. Um excecional consumo de carnes vermelhas e moderado de peixe e carnes brancas. E a gordura de eleição, claro está, o azeite. Se ainda conseguirmos encaixar o exercício físico, podemos afirmar que temos todos os ingredientes certos para um estilo de vida saudável.

“É muito mais inteligente consumirmos uma cerveja sem álcool em detrimento de um refrigerante”

Que benefícios a cerveja pode trazer ao nosso organismo? O que distingue a cerveja de outras bebidas alcoólicas?
A cerveja é uma bebida produzida através de um processo natural que se chama fermentação alcoólica. Temos na sua composição água, malte de cevada ou de outro qualquer cereal – aveia, milho, arroz – lúpulo (a planta responsável por dar o amargor à cerveja) e levedura. Não há adição de qualquer composto químico, conservante ou perseverante artificial. No final temos uma bebida alcoólica de aporte ligeiro, com alto teor de água, vitaminas, sais minerais, aminoácidos e antioxidantes. E o poder antioxidante desta bebida advêm tanto do malte como do lúpulo, e é uma fonte de polifenóis. E sim, também os podemos encontrar numa cerveja sem álcool.

Estes polifenóis, sabe-se, são importantes na prevenção das doenças cardiovasculares, na obesidade, diabetes entre outras. Podemos dizer que o consumo destes antioxidantes têm uma ação protetora para o nosso organismo, prevenindo diferentes processos inflamatórios a que estamos sujeitos diariamente tais como: a má-alimentação, o tabaco, o sedentarismo ou mesmo o stress a que estamos sujeitos – um fator difícil de controlar. E estas vantagens nutricionais também podem ser encontradas na cerveja sem álcool.

“Cerveja não tem que ser erradicada das dietas”

Existe alguma diferença considerável, além da mais óbvia, entre uma cerveja com e sem álcool?
Uma das diferenças consideráveis é também o valor calórico. Em 200 ml de cerveja com álcool temos cerca de 82 kcal, enquanto que na mesma quantidade de cerveja sem álcool o valor cai para cerca de metade. E com esta linha de pensamento podemos afirmar que é muito mais inteligente consumirmos uma cerveja sem álcool em detrimento de um refrigerante, por exemplo. Temos uma bebida rica em vitaminas e sais minerais, resultante de um processo de fermentação entre quatro ingredientes naturais (agua, cereal maltado, levedura e lúpulo), sem adição de açúcares, edulcorantes ou conservantes.

Como nutricionista, existe alguma dieta, com um determinado objetivo, que aconselhe aos seus pacientes que inclua cerveja?
Se não existir o hábito de consumir cerveja, não faz sentido que se encoraje o seu consumo. É como o leite, por exemplo. Se um paciente meu não beber leite porque pura e simplesmente não o aprecia, não faz sentido forçar o seu consumo. Agora, o que acontece na maioria das vezes é o contrário. As pessoas já são apreciadoras de cerveja e acham que têm que erradicá-la por completo da sua dieta alimentar. Aí explico que podem consumi-la à refeição principal com moderação. E o que é isso da moderação? A moderação está balizada em diferentes quantidades quer estejamos a falar de mulheres ou de homens. No caso das mulheres o consumo moderado é de 200ml de cerveja e nos homens de 400ml.

Quais são as principais propriedades nutritivas da cerveja?
Com cerca de 90 a 95% de água, caloricamente a cerveja possui cerca de 82Kcal/200ml e é fonte de vitaminas do complexo B, potássio, magnésio e silício. Logo pode ser associada a uma bebida relacionada com vitalidade: Pelas vitaminas do complexo B, vitaminas por excelência na contração muscular; o sódio e o magnésio como eletrólitos – sais minerais – importantes para a manutenção do normal funcionamento das células, nervos e músculos; e o silício importante para a densidade normal óssea.

“Não há cerveja mais prazerosa do que aquela no final do treino”

Um atleta de alta competição pode beber cerveja regularmente?
Pode, se for sem álcool. Na maratona de Munique, em 2009, foi realizado um estudo com atletas no qual um grupo consumiu uma cerveja sem álcool diariamente três semanas antes da prova e duas semanas após, e o outro recebeu um placebo de cerveja sem álcool no mesmo período. No final, o grupo que tinha recebido a cerveja sem álcool teve menores índices de inflamações e infeções do trato respiratório superior, devido ao sistema imunitário estar mais reforçado pela ingestão desta bebida. Além de que o problema da desidratação não se põem neste caso, antes pelo contrário. Diz-se que a cerveja é uma bebida diurética, mas se retiramos o álcool isso já não se verifica. Temos no final uma bebida muito rica em água e minerais – reidrata – além de um alto teor em vitaminas do complexo B responsáveis pela energia e vitalidade muscular.

A Natália foi uma das corredoras da Beer Runners. Como correu a experiência?
Foi uma experiência fantástica! A Beer Runners não é só mais uma prova, é um movimento entre amigos. Um movimento que eu própria sou seguidora há uns anos. Todos os fins de semana reúno-me com um grupo de amigos, corremos cerca de 10 km e no final bebemos sempre uma cerveja. Aliamos à pratica do exercício físico, o convívio e a hidratação perfeita. Acreditem, não há cerveja mais prazerosa do que aquela no final do treino.

“As pessoas estão cada vez mais conscientes que a alimentação tem um papel fundamental no seu bem estar”

Falando em assuntos da nutrição mais em geral. Sente que as pessoas têm cada vez mais cuidado com a alimentação e a prática de exercício físico?
Acho que as pessoas estão cada vez mais conscientes que a alimentação tem um papel fundamental no seu bem estar geral. Não só a nível da manutenção do peso, mas também na prevenção de várias doenças que estão intimamente ligadas a maus hábitos alimentares. E isso é bom, acho que tanto a sociedade como os media têm tido um papel importante nesta área, na disseminação da mensagem.

Quanto ao exercício físico, ainda está aquém do desejado. Já se vai notando alguns movimentos, os ginásios vão se enchendo, mas nas camadas mais velhas isso já não se verifica. As pessoas continuam a ser muito sedentárias. Talvez seja cultural. Há que trabalhar esta área, porque se sabe que a prática de exercício físico implica muitas das vezes uma maior consciência alimentar. Implica também um aumento da esperança média de vida, prevenção de várias doenças e até um envelhecimento com qualidade.

“Há muita informação e desinformação nesta área”

Os nutricionistas costumam ser mais consultados em condições extremas? Isto é, quando a pessoa precisa urgentemente de ganhar ou perder peso? Acredita que isso também está a mudar? Que as pessoas procuram mais a ajuda de especialistas para adotarem dietas mais saudáveis?
Há uns anos recorria-se ao nutricionista apenas com a temática do peso. Era usual haver um maior fluxo de consultas em determinada altura do ano. Onde a preocupação era perder uns “quilinhos” a mais. Hoje em dia essa tendência vai-se verificando cada vez menos.

As pessoas recorrem ao nutricionista, primeiro porque querem adotar uma dieta saudável – há muita informação e desinformação nesta área – ter um plano adaptado ao seu estilo de vida, colmatando potenciais falhas nutricionais e depois ainda temos outro fenómeno, as chamadas intolerâncias. Estas muitas das vezes estão intimamente ligadas a algo recente na história da humanidade. O stress, que vai deixando marcas em todo o processo digestivo e metabólico do organismo. Saber o que se pode ou não comer e fazer as substituições certas evitando eventuais carências, adaptar a dieta ao estilo de vida e à atividade física, fazer uma correta gestão do peso são algumas das razões pelas quais hoje se procura um nutricionista.

Conheça as três dicas que Natália Cavaleiro Costa tem para os homens:

As redes sociais têm tido um papel importante nesta promoção do estilo de vida saudável, no entanto têm também promovido comportamentos excessivos na busca por corpos perfeitos. Isto não cria também um excesso da ansiedade nas pessoas? Ansiedade e contrainformação. Somos bombardeados diariamente por mulheres e homens com corpos perfeitos, a espelharem aquilo que muitos gostariam de ser. Através de um ecrã vemos a vida perfeita, a alimentação cuidada, o culto pelo exercício. E até a partilha de alguns suplementos supostamente milagrosos para atingir uma imagem que na maioria dos casos está desajustada à nossa própria realidade.

Costumo dizer que é um jogo demasiado perigoso e que pode até acarretar perigo à nossa saúde. O que é ajustado a um determinado indivíduo, pode não ser a outro. Na dúvida, o melhor é sempre aconselharmo-nos junto de profissionais credenciados e seguir o nosso próprio plano, quer a nível da alimentação como no desporto. Encontrarmos o nosso equilíbrio e acima de tudo sermos felizes na nossa própria pele.

“Segredo é encontrar o equilíbrio e sermos felizes na nossa própria pele”

Muitas vezes vemos famosas a partilhar fotos nas redes sociais pouco tempo depois de terem sido mães, demonstrando já um corpo perfeito. Falando novamente na lógica da ansiedade, isto não traz uma pressão especial à dita “mulher normal”?
É um efeito péssimo e faz-nos sentir que, como mulheres, estamos a fazer tudo errado. Os casos que vemos nas redes sociais são de uma forma geral de mulheres que já eram cuidadosas com a sua alimentação e continuaram a sê-lo durante a gravidez. Já eram praticantes de exercício físico e na gravidez mantiveram esse hábito. E não podemos esquecer outro fator muito importante, elas vivem da sua imagem.

“O veganismo pode perfeitamente ser saudável desde que seja acompanhada e orientada por um nutricionista”

A partilha é sempre feita numa perspetiva positiva, raramente vemos o lado negativo que a maternidade acarreta neste aspeto. Somos todas seres independentes, com ritmos diferentes e está tudo bem se não vestirmos os mesmos jeans que vestíamos antes de engravidar ao fim de três meses. Não há comparações, até porque nessa altura das nossas vidas isso deve ser o menos importante, o foco é outro. Claro que com isto não estou a dizer que não devemos ter a consciência de ter uma alimentação equilibrada e assim que possível retomar a atividade física, de todo.

A autoestima da mulher devido ao trambolhão hormonal fica em muitos dos casos afetada. E ao ser cuidadosa consigo própria vai acabar por ter um efeito positivo em todos os aspetos relacionados com a recuperação pós-parto. Querem um conselho? Apostem na prevenção. Entrem nesta fase das vossas vidas com um peso adequado e hábitos saudáveis, quer na alimentação quer na atividade física.

Sendo nutricionista, certamente já foi questionada sobre o veganismo. Afinal, é ou pode ser saudável manter uma dieta baseada apenas em alimentos que não são de origem animal?
O veganismo é uma ideologia de vida. Isto é, além de não haver o consumo de qualquer alimento de origem animal, estão também excluídos o consumo de alimentos em que exista alguma forma de exploração animal. Por exemplo, o mel não é consumido neste tipo de regime. O uso de vestuários com materiais derivados de animais ou produtos testados em animais, também são excluídos por aqueles que seguem este regime. Este tipo de dieta alimentar pode perfeitamente ser saudável desde que seja acompanhada e orientada por um nutricionista. Isto de modo a não haver carências nutricionais.

“Ninguém no seu perfeito juízo pode adormecer omnívoro e no dia seguinte acordar vegan!”

Que consequências podem ter este tipo de dietas no nosso organismo?
A mensagem mais importante é que não se pode adotar um regime destes de um dia para o outro. Ninguém no seu perfeito juízo pode adormecer omnívoro e no dia seguinte acordar vegan! Há todo um processo para lá chegar. Primeiro a exclusão das carnes vermelhas, depois das brancas e por fim o peixe. Há a passagem pelo regime ovolactovegetariano e por fim e de forma gradual surge o veganismo. Se este processo não for pensado, aí sim podemos ter consequências graves no funcionamento do organismo. Basicamente, devido a carências em proteínas, vitaminas e sais minerais, entre outras.

A maior preocupação, além de toda a substituição equilibrada de alimentos de origem animal em vegetal, é a suplementação da vitamina B12. Isto no caso do veganismo. Essa vitamina só está presente em alimentos de origem animal. E mesmo que se faça essa substituição por micro algas fica geralmente aquém dos níveis pretendidos.

Relativamente a refeições, apoia a ideia de pequenas refeições em curtos espaços de tempo ou prefere períodos de maior jejum?
Defendo as cinco a sete refeições diárias e não o jejum. Alguns estudos defendem o jejum, mas a verdade é que não há base científica que sustente a sua prática. O comer várias vezes ao longo do dia e pouco de cada vez continua a ser o mais eficaz no controlo e prevenção do peso, assim como na manutenção dos níveis de energia ao longo do dia.

“Maior erro do português na dieta? ‘O amanhã começo'”

Qual considera ser o maior erro do português em geral a nível de dieta?
O “amanhã começo a dieta”. Quem nunca o fez? Vai se protelando a dieta. Ora porque há toda uma vida social, estamos mais aborrecidos ou cansados e procuramos refúgio na comida, as desculpas são mais que muitas. Depois ainda temos uma cultura gastronómica muito forte aliada a uma vida social intensa. Sabemos que não é fácil, mas as exceções não podem ser a regra. E a regra tem que ser imperativamente uma alimentação cuidada.

Dos muitos doces e iguarias portuguesas, qual o mais calórico?
A nossa cultura gastronómica é imensa. É tão vasta que até teria dificuldade em nomear qual o maior “vilão” à mesa dos portugueses. Nestes pratos típicos temos a predominância de grandes quantidades de açúcar refinado e gordura saturada. E sabe-se hoje em dia que um consumo acrescido destes nutrientes estão relacionados com o aumento dos níveis de colesterol, diabetes, hipertensão, e até alguns tipos de cancro. Acho que aqui o segredo é reinventar e substituir. Pegar nas receitas tradicionais e adaptá-las com alimentos saudáveis. O açúcar substituir por mel, tâmaras, açúcar de coco. E no caso das gorduras usar o azeite ou o óleo de coco. Mas atenção! O valor calórico também conta. Isto apesar de estarmos a usar açucares e gorduras boas, não significa que no final temos um prato menos calórico. Só significa que o tornamos mais saudável. Acho que aqui a chave é a moderação e um dia também não são dias.

Percorra a galeria e veja algumas imagens da primeira edição da Beer Runners em Portugal.

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Artigo de
Hugo Mesquita

21-01-2020



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