Bruno Pereira: “Chegar a um grande é um objetivo de carreira”

Bruno Pereira: “Chegar a um grande é um objetivo de carreira”

Entrevistas

Bruno Pereira: “Chegar a um grande é um objetivo de carreira”

Começou a treinar aos 22 anos, foi adjunto de Toni e Leonardo Jardim e atualmente trabalha em Omã, mas de olhos postos num eventual regresso a Portugal.

Artigo de André Cruz Martins

10-05-2018

Aos 22 anos já era treinador e aos 27 viveu a primeira experiência como técnico principal, no terceiro escalão, ao serviço do CF União. Chegou a ser adjunto de Leonardo Jardim na Camacha e de Toni no Al Ittihad, da Arábia Saudita e atualmente trabalha no Al Nahda, de Omã, depois de ter passado por clubes portugueses de divisões secundárias.

Nesta entrevista, Bruno Pereira conta como está a correr a sua experiência em Omã, passa em revista os momentos mais marcantes de uma carreira que já tem 15 anos e confessa que tem a ambição de um dia treinar um dos três grandes do futebol português. E revela que o seu modelo de treinar é Jorge Jesus.

Como surgiu a hipótese de ir treinar para Omã?
Antes de iniciar a época já tinha sido sondado para voltar ao Médio Oriente mas tinha acabado de apalavrar a minha ida para Merelim com o presidente do Merelinense e por isso, fui claro dizendo a quem me abordou que naquele momento não queria desonrar o compromisso entretanto assumido. Mais tarde, em outubro e na semana após ter deixado o Merelinense, voltou-se a abrir essa mesma porta em Omã e nem hesitei em abraçar o projeto no Al Nahda e o balanço só pode ser positivo.

Como está a correr a experiência e quais são os objetivos do clube?
Chegámos à final da Taça da Liga, em que perdemos de forma injusta e no último minuto do prolongamento, diante do Al Shabab, atual segundo classificado no campeonato. Estamos em terceiro lugar e desde que chegámos em outubro, nos 14 jogos que disputámos perdemos apenas um, contra o atual campeão em título e estamos há 11 jogos consecutivos sem perdermos.

Além disso fomos até agora a única equipa a derrotar o atual primeiro classificado, o Al Suweiq. Somos também o segundo melhor ataque da Liga logo atrás do Al Suweiq. Foi-nos pedido para fazer uma época tranquila e não me pediram para ganhar qualquer troféu. Confesso que tinha o desejo de vencer a Taça do Sultão, troféu nunca antes conquistado pelo clube, mas acabámos por ser eliminados nos penáltis pela equipa que acabou por conquistar a Taça, o Al Nasr.

Qual o nível do futebol local? Há algum jogador com qualidade para jogar na I Liga portuguesa?
O nível das equipas assemelha-se a algumas da II Liga portuguesa. Há jogadores omanitas com qualidade técnica, mas na sua generalidade são taticamente débeis, um aspeto com margem para trabalhar, se bem que nem sempre é fácil, pois alguns são algo preguiçosos. Preferem jogar o jogo pelo jogo, o típico futebol de rua, e essa mudança de mentalidade tem de ser feita com muita mestria e sensibilidade, diria até com pinças. Não diria que existem muitos jogadores para jogar de caras na I Liga portuguesa, mas há muitos que o poderiam fazer na II Liga. De todo o modo, o Abdulaziz, ponta de lança do Al Suweiq e da seleção de Omã, encaixaria em três ou quatro clubes da I Liga.

Pode falar-nos um pouco do Gonçalo Menezes, português que integra o seu plantel?
Já há uns anos fui seu treinador e o responsável por levar o Gonçalo para a AD Camacha. É um jogador competitivo, inteligente e polivalente, e nestes mercados onde há limites de utilização de jogadores estrangeiros, essa polivalência é naturalmente importante, sobretudo se atendermos a que no nosso caso temos um plantel curto. Tem jogado muitas vezes de inicio em diversas posições, lateral e extremo em ambos os flancos, e tem correspondido às expectativas que tinha dele, num contexto como este.

“Não há absolutamente nada para fazer em Buraimi”

Gosta de viver em Omã? Está acompanhado da família?
O clima cá é muito quente durante o dia, mas de noite a temperatura é muito aprazível e só é pena não haver absolutamente nada para se fazer em Buraimi, a cidade onde vivo. Seria mais fácil se fosse, por exemplo, na capital Muscate ou em Seeb, a 20 minutos da capital, cidades completamente diferentes e com muito mais vida. Mais difícil se torna na ausência da família. A minha mulher e a minha filha de um ano e meio ficaram na Madeira e as saudades apertam.

Tenho a sorte da minha filha ter uma supermãe, hiper dedicada à filha e a fazer o duplo papel de mãe e pai. Fico muitas vezes triste porque sei o quão importante seria para ela, para a mãe e até para mim, que ela pudesse crescer com o pai por perto. Mas a minha carreira profissional é esta, estou longe por uma boa causa e só me resta fazer um bom trabalho para poder compensar a dor da saudade e da distância. Falamos por Facetime diariamente mas, como é lógico, não é a mesma coisa, ainda para mais nesta idade.

O calor é fácil de suportar?
Se há coisa que mais existe por aqui são aparelhos de ar condicionado. Raramente estamos num espaço em que não estejam a funcionar, por isso safamo-nos bem, exceto nos jogos, que mesmo começando ao entardecer muitas vezes iniciam-se com uma temperatura e humidade relativamente altas.

Gosta da comida? 
O que mais comem aqui e pelo Médio Oriente é o “chicken mandii” que é um gamelão de arroz com especiarias e uvas passa e um ou mais frangos inteiros condimentados por cima do arroz. Também fazem o mesmo mas com burrego. Por acaso acho ótimos, mas cozinhamos muito por casa, por isso não se foge muito ao que estamos habituados em Portugal.

Já sabe falar bem em árabe? 
Sim, a maior parte das vezes acabo por falar um misto de árabe com inglês, sobretudo quando tenho de explicar coisas mais detalhadas e que exijam mais vocabulário árabe. Sei muita coisa mas o leque de palavras não é assim tão alargado. De todo, o modo no jogo e no treino comunico praticamente 90% em árabe e eles percebem-me. A clareza da comunicação é um aspeto vital nesta profissão.

A sua equipa técnica é 100 por cento portuguesa. Passam muito tempo juntos fora do trabalho?
Sim somos todos portugueses. O António Oliveira, que já cá estava e outros dois que trouxe, o Miguel Matos, treinador de guarda-redes e o Francisco Sá, que acabou por vir só em Janeiro, uma vez que três elementos era manifestamente pouco para poder potenciar o tipo de trabalho que se pretendia implementar. Acabamos por não ter muito tempo livre, mas quando temos, esporadicamente vamos até à capital, Muscate, ou até aos Emirados pois estamos perto da fronteira. Aqui em Buraimi não existe praticamente nada para que possamos desfrutar das folgas.

Trabalhou com Jardim e Toni mas o modelo é Jorge Jesus

Tem 36 anos mas já uma vasta experiência como treinador. Começou com 22 anos no Santana. Por que quis ser treinador tão cedo?
Se olharmos apenas para os 36 anos de idade ninguém diria que além dos 21 anos de experiência como jogador, teria também já 15 de experiência como treinador, dos quais sete como principal. Quando comecei como adjunto tinha acabado a licenciatura e na época anterior estava a jogar no distrital. Além de ter consciência de que a minha qualidade dificilmente seria suficiente para fazer carreira como jogador, fiz o curso de desporto porque sempre tive em mente e como objetivo fazer carreira profissional como treinador.

Daí que esse passo acabasse por acontecer cedo e logo no futebol sénior onde aliás sempre fiz toda a minha carreira profissional, à exceção de duas épocas em que estive com as seleções de formação da Associação de Futebol da Madeira e onde assumi como treinador principal apenas o escalão de sub-17, no qual vencemos em duas épocas consecutivas o Torneio Interassociações.

Logo depois, foi adjunto de Leonardo Jardim na Camacha. O atual treinador do AS Mónaco é a sua grande referência?
Por entre as experiências que passei como adjunto tive a felicidade de ter trabalhado com alguns treinadores conceituados, entre os quais o Toni e o Leonardo Jardim e com ambos tive a oportunidade de absorver ensinamentos importantíssimos e que considero uma mais valia para aquilo que é o quotidiano da minha carreira. O facto de me ter tornado treinador principal de seniores pela primeira vez na terceira divisão nacional com apenas 27 anos permitiu-me amadurecer cedo, mas é claro que a aprendizagem são uma constante e a cada experiência que passa é com naturalidade que passamos a sentir-nos mais fortes e preparados.

O trabalho do Leonardo Jardim fala por si. Era seu adjunto no trabalho de campo e além disso era o responsável pela análise dos adversários. A forma como organizava o treino, a atenção que dava ao lado estratégico e como lia o jogo e “mexia nas peças do xadrez” anteviam um futuro bem auspicioso. Trilhou o seu caminho e tem um mérito gigantesco por tudo o que tem vindo a alcançar. É um dos melhores treinadores nacionais e claramente uma referência.

Tem algum treinador que veja como modelo?
Sim, se falarmos de treinadores portugueses aprecio um em particular. Revejo-me muito na forma de jogar das equipas de Jorge Jesus.

Depois treinou várias equipas da Madeira. Quando passou a ser treinador principal?
Aos 27 anos, no CF União. Tinha estado como adjunto do CF União SAD, gostaram do meu trabalho e convidaram-me para assumir como treinador principal do clube. Estive depois no Estrela da Calheta e na Camacha.

Também esteve na Arábia Saudita. Como correu e quais as diferenças e semelhanças em relação a Omã?
Esta é uma cultura que conheço bem, pois é já a quarta vez que trabalho no Médio Oriente, três das quais na Arábia Saudita, onde tive o privilégio de trabalhar num dos maiores clubes da Ásia, o Al Ittihad, numa como adjunto de Toni. Por isso, a adaptação ao país, à cidade e aos jogadores foi fácil, ainda para mais havendo a colaboração adicional de um ajunto português, o António Oliveira, que já cá estava e que me inteirou acerca da realidade do clube e do campeonato. Os hábitos e tradições culturais são em tudo semelhantes, aqui são um pouco mais abertos do que na Arábia, mas de resto não vejo grandes diferenças, talvez só no trânsito, que na Arábia é de loucos.

Esteve em países com uma realidade cultural muito diferente de Portugal. Quer contar-nos algumas histórias?
Na terceira vez que estive na Arábia, o visto que tinha era de turista e estava a expirar, por isso tive de pegar num avião para Dammam, de modo a depois ir de carro à fronteira do Bahrein, entrar e voltar de seguida à Arábia com novo visto. Cheguei ao aeroporto em Dammam e os taxistas estavam a regatear o preço para ir até à fronteira. Lá acertei o preço e fui. O carro não tinha letreiro de táxi, logo ai achei estranho mas tudo bem, segui. Quando chegámos à fronteira havia uma fila de carros interminável e um calor infernal. Já havia sido combinado que a meio do percurso pagaria metade do estipulado e assim foi.

Era Ramadão e o taxista estava a desesperar porque queria poder comer, pois estava a jejuar há imensas horas. Dada a demora, pediu que eu fosse a pé ou que fosse com outro tipo que estacionou ao lado dele enquanto ele ficaria a comer. Eu, sensibilizado, sai do carro e dirigi-me para o carro do outro tipo para dar a volta na fronteira e regressar, mas quando vou a sair do suposto táxi, de repente ele arranca e acelera… nunca mais o vi. Eu estava sem bateria no telemóvel e se não fosse a gentileza do outro senhor estava bem tramado. Além de me ter ajudado na fronteira ainda me levou ao aeroporto a tempo de apanhar o avião.

“Fez-se de surdo e não gostei, insisti e ele ripostou em tons menos próprios. Chegou o intervalo e substituí-o de imediato”

Começou a treinar muito novo. Como era estar numa posição em que tinha de dar ordens a jogadores muito mais velhos?
Sinceramente, diria que foi normal. Digo normal porque embora não sendo a mesma coisa, aos 21 anos, altura em que terminei a licenciatura, lecionava nas aulas de Futebol, Metodologia do Treino e fisiologia do esforço na Universidade da Madeira e como é fácil de imaginar foi uma experiência de liderança que acabei por viver precocemente. Já nessa altura lidei com alunos muito mais velhos do que eu. As coisas correram bem e foi uma bagagem que me trouxe vantagens e deixou-me mais à vontade quando chegou o momento de liderar uma equipa sénior na terceira divisão, com apenas 27 anos.

Nessa época de estreia houve um jogador que teria cerca de 34/35 anos e que até chegou a ser internacional português nos escalões de formação e que desacatou uma ordem no decorrer de um jogo. Estava estipulado que ele ia cabecear à área nos cantos ofensivos e chamei-o na tentativa de o relembrar. Fez-se de surdo e não gostei, insisti e ele ripostou em tons menos próprios, sinal de que tinha ouvido. Voltei a não gostar e apesar de faltarem 4 minutos para o intervalo fiquei tão “cego” com ele, que o queria substituir de imediato e só não aconteceu porque o diretor desportivo me demoveu, a muito custo. Chegou o intervalo e substituí-o de imediato. Já nem voltou na segunda parte. Foi multado, suspendemo-lo uma semana e passou as duas seguintes a treinar à parte do restante grupo. Foi a primeira situação problemática que vivi, mas sinceramente acho que procedi bem naquele momento e sinto que só veio a reforçar a minha liderança e a coesão no seio do grupo.

Gostaria de voltar a Portugal? Tem recebido convites?
Regressar à Europa está sempre presente nos meus horizontes e voltar a Portugal é um dos meus principais objetivos a breve/médio prazo. De momento não surgiram convites, todavia os campeonatos ainda não terminaram. De todo o modo, o que neste momento interessa é o futuro imediato e esse passa por atingir os objetivos traçados por cá, depois logo se verá. O que está nas minhas mãos é continuar a fazer bons trabalhos por onde passe, mesmo que tenha que voltar a ser no estrangeiro. Hoje em dia a informação circula a uma velocidade estonteante por isso não duvido que se continuar a fazer um bom trabalho as pessoas vão estar atentas e, quem sabe, surgirá uma oportunidade.

Quais são os seus objetivos para os próximos anos?
O que mais desejo é pegar em projetos ambiciosos, de preferência que me permitam conquistar títulos Claro que nem sempre é possível apanhar este tipo de projetos, mas pelo menos que sejam desafios onde seja possível fazer um trabalho que potencie e valorize os jogadores e as equipas. Sozinho ninguém consegue nada e quem disser o oposto é um grande mentiroso. Ainda tenho muita carreira pela frente mas já vivenciei experiências em contextos financeiros e organizacionais muito diferentes e em alguns casos adversos. Superá-los como os superei faz-me acreditar que se surgirem oportunidades em projetos noutros contextos mais estáveis e mais favoráveis ao sucesso não duvido que terei grandes probabilidades de êxito.

Ambiciona treinar um grande? Tem preferência por algum?
Claro que sim. Tenho esse objetivo de carreira. Acontecerá quando tiver que acontecer com naturalidade e se o meu trabalho contínuo o vier a justificar. Há exemplos de treinadores que chegaram aos grandes num ápice, outros que levam anos, mas uma coisa é certa: a minha única preocupação é preparar-me e melhorar todos os dias para quando esse momento chegar poder agarrá-lo com unhas e dentes. Enquanto profissional que sou, não tenho qualquer tipo de preferência clubística, aquilo que me irá mover será a ambição e grandeza do projeto e claro, a vontade das pessoas em me contratar.

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André Cruz Martins

10-05-2018



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