Paulo Madeira: “Os três grandes mostraram-se interessados em mim. Fui para o Benfica porque os meus amigos insistiram”

Paulo Madeira: “Os três grandes mostraram-se interessados em mim. Fui para o Benfica porque os meus amigos insistiram”

Entrevistas

Paulo Madeira: “Os três grandes mostraram-se interessados em mim. Fui para o Benfica porque os meus amigos insistiram”

Em entrevista ao parales, Paulo Madeira, a antigo capitão do Benfica, passa em revista os momentos mais marcantes da sua carreira e confessa que tem duas grandes mágoas: a ausência do Euro 2000 e só ter sido uma vez campeão pelas águias.

Artigo de André Cruz Martins

12-10-2018

Paulo Madeira foi um dos poucos jogadores da formação do Benfica que se afirmou na equipa principal dos encarnados na década de 90 do século passado. Foi o treinador sueco Sven-Goran Eriksson que apostou de forma firme em si e rapidamente chegou a internacional A.

Ainda assim, nem sempre teve vida fácil na Luz. Chegou a ser emprestado ao Marítimo, conseguiu voltar, mas não aguentou muito tempo, sendo dispensado por Artur Jorge. Mais tarde, teve uma terceira passagem pelos encarnados, no conturbado consulado de João Vale e Azevedo.

Confessa que a sua grande mágoa foi ter sido preterido por Humberto Coelho na convocatória para o Euro 2000 e conta-nos que hoje em dia é empresário de futebol, não pensando num eventual regresso ao Benfica.

Começou a jogar futebol no Lusitano de Vila Real de Santo António, com 12 anos. Que recordações tem desses tempos?
As melhores possíveis. Eram tempos em que o futebol era uma brincadeira e treinávamos em pelados, com os nossos amigos. Ainda tenho casa em Vila Real de Santo António, passo lá sempre férias e aproveito para confraternizar com os meus amigos de infância.

Esteve cinco anos no Lusitano e nos juniores mudou-se para o Benfica. Como se processou essa mudança?
Era muito difícil que um clube grande contratasse jogadores no escalão de juniores, pois o habitual era ire buscar futebolistas mais novos. O Benfica conhecia-me porque eu ia à seleção nacional de sub-16. Aliás, fora dos clubes grandes, só eu e o João Vieira Pinto, que estava no Boavista, é que éramos convocados. Os três grandes mostraram-se interessados em mim, mas curiosamente o futebol não me dizia muito e não pensava seguir carreira. Só fui para o Benfica porque os meus amigos insistiram muito.

“O FC Porto ficou logo descartado porque era muito longe”

Por que optou pelo Benfica?
O FC Porto ficou logo descartado porque era muito longe de Vila Real de Santo António. Depois, fiquei indeciso entre o Benfica e o Sporting e felizmente fiz a escolha certa. Posso dizer com orgulho que durante muitos anos fui o único jogador que chegou aos juniores do Benfica e que depois se conseguiu afirmar na equipa principal e chegar à seleção A.

Como foi a chegada à capital e a um clube de muito maior dimensão do que o Lusitano?
Cheguei no primeiro ano de juniores e numa altura complicada da formação do Benfica, pois o Lar dos Jogadores estava em obras. Nos primeiros seis meses vivi numa casa perto do Estádio Nacional, onde agora se situa um hotel. Depois estive três meses numa casa em Lisboa e só de seguida é que fui para o Lar dos Jogadores, mas só lá estive três meses. Voltei a ir para uma casa em Lisboa, onde passei a viver com o Paulo Sousa, com quem construí uma grande amizade. Separámo-nos em 1993, quando ele foi para o Sporting e eu fui emprestado ao Marítimo.

“O Artur Jorge disse-me que se eu ficasse me punha a treinar na praia”

Em 1989/90 estreou-se na equipa principal do Benfica, numa época em que o clube chegou à final da Taça dos Campeões Europeus (derrota 0-1 com o AC Milan).
Sim, já consegui fazer alguns jogos nessa época [8 no total] e não era fácil, pois havia o Ricardo Gomes e o Aldair. Infelizmente, não pude ser opção para a final da Taça dos Campeões Europeus, pois fui convocado para o Torneio de Toulon. No entanto, a época da minha afirmação foi a de 1991/92, com o Eriksson, que gostava de apostar nos jovens. Eu e o Paulo Sousa jogámos bastante [o central alinhou em 47 encontros oficiais]. Foi ainda nessa época de 1991/92 que me estreei na seleção A, com apenas 20 anos. Posso dizer que estavam cumpridos os meus dois grandes sonhos no futebol: jogar pela equipa principal do Benfica e pela seleção A.

Como já referiu, foi emprestado ao Marítimo em 1993/94 e depois regressou ao Benfica, mas só ficou uma época na Luz. É verdade que Artur Jorge lhe disse para ir treinar para a praia?
Sim, é verdade. Foi um episódio ainda mais caricato porque ele seis meses antes tinha dito ao Benfica para renovar contrato comigo. Ele chamou-me ao seu gabinete e informou-me que não contava comigo. Eu lembrei-lhe que ele tinha pedido a minha renovação e a resposta dele foi que se eu ficasse no Benfica me punha a treinar na praia. Eu virei costas e fui-me embora, pois nunca fui pessoa de entrar em conflitos. Acabei por ir jogar para o Belenenses.

Curiosamente, a sua saída do Benfica coincidiu com uma altura em que o Benfica entra num período de uma longa crise, sem conseguir conquistar títulos.
Sim, foram anos muito complicados em que as coisas não correram bem ao clube. É normal, todos os clubes têm na sua história ciclos maus.

“Não tenho razão de queixa de Vale e Azevedo”

Como foi essa passagem pelo Belenenses?
Muito positiva e foi muito importante ter-me conseguido afirmar de forma indiscutível, depois do Artur Jorge me ter mandado embora do Benfica. Acabei por ser chamado para o Euro 96. Ou seja, mais uma vez consegui ir à seleção não fazendo parte de um clube grande, o que era muito raro. Acabei por não jogar na competição, mas sinto que fiz parte do arranque da afirmação de Portugal nas grandes competições. Desde esse Campeonato da Europa, Portugal esteve em todas as fases finais de Mundiais e Europeus, com exceção do Mundial de 98.

Regressou ao Benfica em 1997/98, numa altura em que o clube era dirigido por João Vale e Azevedo. Que recordações tem deste polémico ex-presidente do Benfica?
Falando pelo meu exemplo, quando se é jogador de futebol, não se tem noção de como é feita a gestão do clube. Talvez algumas pessoas tenham razões de queixa dele, mas eu não.

Em 1999/2000 realizou uma grande época no Benfica mas acabou por ficar de fora dos eleitos de Humberto Coelho para o Euro 2000. Ficou magoado?
Claro que fiquei e não percebi, pois fui titular em oito dos dez jogos de qualificação. Faltava colocar apenas a cereja no topo do bolo, que era ir ao Campeonato da Europa. No entanto, infelizmente, o futebol é pródigo em injustiças e ainda hoje não sei porque fiquei de fora do Euro 2000. Quando um jogador pensa que já viu de tudo acaba por ser surpreendido.

“Fui o primeiro capitão de Mourinho no Benfica”

Em 2000/01 foi treinado por José Mourinho no Benfica. Já dava para perceber que ele poderia vir a ser um grande treinador?
Fui o seu primeiro capitão no Benfica. Sem dúvida que se percebia algo de diferente em alguns pormenores, nomeadamente na forma como se relacionava com os jogadores. Tinha ainda um grande conhecimento em termos técnicos e físicos e era fantástico na parte tática. Psicologicamente, era um mestre e sabia onde chegar e como moralizar os jogadores. Para além disso, era exímio na comunicação com a imprensa, como se via através da memoráveis conferências de imprensa que dava.

Contas feitas, em nove épocas no plantel principal do Benfica, só foi campeão nacional uma vez. Soube a pouco, não?
Para um grande clube como o Benfica é muito curto. Ganhei ainda uma Taça de Portugal e uma Supertaça portuguesa. A verdade é que os jogadores só se valorizam com a conquista de títulos. O Cristiano Ronaldo só é o melhor jogador do mundo porque tem uma coleção impressionante de títulos.

“Muitos jogadores ficaram mal-dispostos com o cheiro a bagaço”

Quais foram os jogadores mais divertidos com que se cruzou?
Destaco o Neno, pela sua forma de estar na vida. Somos grandes amigos e tenho muito carinho por ele. Tenha muita admiração pela sua maneira de ser, é alguém que está sempre alegre e dava muito alegria ao balneário.

Confirma que o Neno estava sempre a imitar o Julio Iglesias?
Sim, estava sempre a cantar. Ligava o rádio no balneário e fazia “play-back”. Ele tinha de facto uma paixão incrível pelo Julio Iglesias, de tal forma que imitava tudo o que ele vestia a calçava.

Conte-nos lá a história do cheiro insuportável no balneário das Antas, no dia da célebre vitória do Benfica por 2-0, com o bis de César Brito.
Era um cheiro insuportável, que nos incomodou muito. O cheiro a bagaço entranhava-se e muitos jogadores ficaram mal-dispostos. Tivemos de ir para o corredor equiparmo-nos. Já não era nada fácil jogar nas Antas, quanto mais nestas circunstâncias. Mas isso só nos deu mais força e acabámos por ganhar e dar um passo decisivo para o título de campeão.

“Mal comecei a ver o Rúben Dias jogar, percebi que iria ser um jogador excecional”

O que faz hoje em dia?
Estou ligado ao futebol, como empresário de jogadores. Como fui futebolista, consigo perceber o que eles pensam e isso é uma vantagem. É uma profissão com muita responsabilidade, pois estamos a falar de carreiras. Lido essencialmente com jogadores a partir dos 18 anos.

Gostaria de regressar ao Benfica?
Não está no meu horizonte. Sou muito feliz com o que faço e nesta altura só quero ajudar a que os meus jogadores tenham boas carreiras.

Como tem olhado para a evolução de Rúben Dias? Tal como o Paulo, um central formado no Benfica que se conseguiu afirmar na equipa principal.
Logo quando comecei a vê-lo jogar percebi que iria ser um jogador excecional e que mais tarde ou mais cedo chegaria à seleção. Destaco a sua qualidade e capacidade de liderança, principalmente por estarmos a falar de alguém tão jovem. A titularidade no Benfica e na Seleção Nacional é consequência do seu trabalho e sem dúvida que tem um futuro risonho à sua frente.

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André Cruz Martins

12-10-2018



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