Afonso Taira: “Achava que agressões como as de Alcochete só aconteciam em campeonatos malucos”

Afonso Taira: “Achava que agressões como as de Alcochete só aconteciam em campeonatos malucos”

Entrevistas

Afonso Taira: “Achava que agressões como as de Alcochete só aconteciam em campeonatos malucos”

O médio português fala-nos da sua experiência no Kiryat Shmona, de Israel, em que tudo corre sobre rodas, menos a parte em que ele e a namorada não se lembravam de que tudo está fechado aos sábados.

Artigo de André Cruz Martins

21-07-2018

Afonso Taira, médio português de 26 anos, prepara-se para iniciar a segunda temporada ao serviço dos israelitas do Kiryat Shmona. Em entrevista ao paraeles, revela-nos que não poderia estar mais adaptado ao futebol local e ao país e desmente a ideia de que existe insegurança em Israel. Elogia o tecnicismo dos jogadores, embora reconheça que o campeonato não é muito forte a nível tático.

Afonso Taira é filho de José Taira, antigo médio que representou o Belenenses entre 1989/90 e 1995/96 e que também se destacou nos espanhóis do Salamanca, entre 1996/97 e 1999/2000. Confessa-se triste pelas dificuldades pelas quais passa o Sporting, clube que representou na formação durante seis anos e também pela descida de divisão do Estoril, onde esteve nas três últimas épocas antes da mudança para Israel. E nesta época que agora se inicia, promete estar mais atento ao facto de todos os estabelecimentos comerciais estarem fechados em Israel ao sábado. É que não convém nada ficar sem bens essenciais em casa.

Que balanço faz da primeira época no futebol israelita, ao serviço do Kiryat Shmona?
Foi uma experiência muito positiva e fiquei muito contente por me ter conseguido adaptar a uma realidade completamente diferente da que estava habituado. Dentro de campo, encaixei-me muito bem, pois o futebol israelita permite-me mostrar a minha melhor qualidade, que é o aspeto tático. Efetivamente, ainda têm muito a melhorar nessa parte.

Qual foi a classificação do Kiryat Shmona?
Ficámos muito perto da qualificação para o play-off de apuramento do campeão. Passavam os seis primeiros e terminámos em sétimo. Depois, na segunda fase, terminámos o play-off em primeiro lugar, no sistema de todos contra todos, a uma só volta.

Como qualifica o campeonato israelita?
Em termos técnicos, os jogadores israelitas não ficam nada a dever aos portugueses. No entanto, há pouca organização tática e a maioria dos jogos são muito partidos, havendo por vezes alguns resultados inesperados e muitos golos marcados. Eles são ainda muito emocionais a jogar.

“Não existe sentimento de insegurança em Israel”

A ideia que se tem em Portugal é que Israel é um país um pouco perigoso. Isso corresponde à realidade?
De forma alguma. Isso é a imagem que passa nas notícias e confesso que também eu tinha essa ideia. É verdade que Israel está rodeado de países com os quais não tem boas relações, mas anda-se completamente à vontade na rua, não existe um sentimento de insegurança.

Como descreve Kiryat Shmona, a cidade onde vive?
É uma pequena cidade no norte de Israel e fui muito bem recebido pelas pessoas, que têm um espírito aberto. Acho que os israelitas são parecidos com os portugueses e por isso não tive qualquer dificuldade. Até porque estive acompanhado pela minha namorada [com a qual entretanto se casou há poucos dias, em Portugal].

Há algo que o tenha surpreendido em Israel?
A grande diferença em relação a nós, portugueses, é que eles são muito centrados na religião. Existe uma maioria de judeus e a religião judaica tem muitas regras, nomeadamente a nível da comida. É expressamente proibido misturar laticínios ou derivados com carne. Ou seja, não podem comer um simples bife com molho de natas. Por outro lado, existe uma grande presença de militares nas ruas.

E ao sábado está tudo fechado em Israel. Confirma?
O sábado em Israel é aquilo que em teoria seria o nosso domingo, mas ao contrário do que se passa em Portugal, em que muitos estabelecimentos estão abertos, em Israel está tudo fechado. No fundo, todos os sábados são como se fosse o dia de Natal em Portugal. O pior é que muitas vezes eu e a minha namorada não nos lembrávamos, esquecíamo-nos de ir às compras na sexta-feira e depois era complicado porque não tínhamos nada em casa. Vamos estar mais atento quando regressar (risos).

“Achava que agressões como as de Alcochete só aconteciam em campeonatos malucos”

Cumpriu seis anos da sua formação no Sporting. Como analisa o atual momento do clube e como reagiu quando soube das agressões de que os jogadores foram alvo na Academia, um local onde passou tantos dias?
Tinha acabado de chegar a Portugal quando aconteceram as agressões e nem queria acreditar. Uma pessoa tem sempre a ideia de que agressões daquelas só poderiam acontecer em campeonatos com adeptos mais “malucos”. Fiquei obviamente muito triste, até porque passei seis anos da minha vida naquela Academia, mas o que se passou é o reflexo do estado a que chegou o nosso futebol. Ao longo do último ano, as notícias que me chegavam a Israel desde Portugal era sempre de confusões à volta das quatro linhas.

Outro acontecimento que o deve ter deixado triste foi a descida à II Liga do Estoril, o clube que representou nas últimas três temporadas, antes da saída para Israel.
Sim, fiquei bastante triste, ainda por cima porque estamos a falar de um clube que oferece todas as condições de trabalho aos seus jogadores e que cumpre sempre em termos salariais. O Estoril tem tudo para ser um clube estável na I Liga e tenho a certeza que em breve vai voltar e para ficar.

Já leva sete anos como profissional. Qual o treinador que mais o marcou?
Foi o meu primeiro treinador como profissional, no Córdoba, chamado Paco Jémez. Não me recordo dele exatamente por bons motivos, mas chocou-me pela intensidade que exigia dos jogadores e pelo enorme rigor. Não foi uma experiência fácil, tinha apenas 20 anos, estava e só fiz quatro jogos, mas todas estas dificuldades ajudaram-me a crescer.

“Tirei o curso de Gestão em três Faculdades”

Concluiu o curso de Gestão na Universidade, algo não muito comum em futebolistas profissionais. Como conseguiu conciliar o futebol com os estudos?
Tirei o curso em três Faculdades, duas em Portugal e uma em Córdoba, onde joguei durante um ano [2011/12]. Acabei por concluir o curso no ISCTE e hoje em dia estou muito feliz por ter feito este esforço. Só tenho de agradecer aos clubes que representei, que facilitaram algumas vezes, pois conciliar os estudos com o futebol requer um grande esforço, organização e dispêndio de energia. Consegui fazer o curso em seis anos, o que não foi mau.

Tem a intenção de vir a exercer na área da Gestão?
Não faço ideia, mas primeiro tenho a ideia de jogar futebol pelo menos durante mais dez anos. Para já, quero continuar em Israel e o grande objetivo de chegar a um clube de topo no país.

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André Cruz Martins

21-07-2018



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