Zé Pedro, guitarrista dos Xutos & Pontapés, morreu esta quinta-feira, 30 de novembro, aos 61 anos. O músico, que em 2011 se submeteu a um transplante hepático, tinha iniciado recentemente um novo tratamento. Zé Pedro encontrava-se hospitalizado desde a semana passada mas acabou por falecer em casa. Este dia ficará marcadado para a história da música nacional como um dos mais tristes de sempre. O dia em que Portugal perdeu um dos fundadores do rock nacional.
14 de setembro de 1956. Nascia José Pedro Amaro dos Santos Reis. Nado e criado em Lisboa, terceiro filho de uma família de sete irmãos, Zé Pedro foi uma criança cheia de energia. Desde bem pequenino, até aos seis anos, viveu em Timor, onde o pai, com carreira militar, estava destacado. No início da década de 1960, a família regressa a Portugal e instala-se no bairro dos Olivais, em Lisboa. É na capital que Zé Pedro ganha o gosto pela música, paixão essa impulsionada pelo primeiro concerto a que assistiu, do mítico Miles Davis, no Festival de Jazz de Cascais, com os pais.
Zé Pedro é considerado um dos pais do rock português.
O rock, esse, chegou-lhe através dos Creedence Clearwater Revival, a primeira banda que ouviu a sério, como confessou em 2016, em entrevista ao Blitz. Em 1977, na ressaca da revolução de abril, viajou pela Europa, num inter-rail. Em Paris, assistiu a um festival de punk, que o inspirou para consolidar o sonho, os Xutos e Pontapés. De regresso a Portugal, Zé Pedro conhece os Faíscas, cede-lhes a garagem dos pais para a sala de ensaios e é nomeado manager oficial. É nessa garagem que tudo começa. Zé Pedro, Zé Leonel e Paulo Borges fazem audição a Kalú e mudam de nome para Xutos & Pontapés… depois de Beijinhos & Parabéns não ter sido aprovado. Borges não aquece o lugar e chega Tim para completar o quarteto inicial.
A 13 de Janeiro, os Xutos & Pontapés Rock’n’Roll Band fazem a sua estreia de palco nos Alunos de Apolo, na festa comemorativa dos 25 anos do rock’n’roll. Tocam quatro temas às três da manhã. Este foi o primeiro passo de décadas de carreira. Os Xutos e Pontapés surgiram em 1979, mas só em 1987 a música «Circo de Feras» fez com que a banda atingisse o estrelato nacional. Até então, segundo Zé Pedro, foi o chamado, «viver um dia de cada vez».
A 13 de Janeiro, os Xutos & Pontapés Rock’n’Roll Band fazem a sua estreia de palco nos Alunos de Apolo, na festa comemorativa dos 25 anos do rock’n’roll. Tocam quatro temas às três da manhã.
O princípio dos anos 1990 não foi fácil. A banda estava praticamente falida. Nessa altura, os Xutos estiveram parados e sem contactar uns com os outros durante cerca de meio ano. Mas depois da tempestade veio a bonança. Regressaram aos palcos e nunca mais pararam. A longevidade e popularidade da banda granjeou-lhes, em 2004, a comenda da Ordem de Mérito, atribuída pelo então presidente da República, Jorge Sampaio.
Zé Pedro, tal como a maioria dos músicos da sua geração, viveu intensamente, em determinada fase, a máxima «sexo, drogas e rock n’ roll»…até que uma hemorragia interna o levou para uma cama de hospital, em 2001. «Foi o dia em que parei tudo: os consumos de álcool, droga e tabaco. Tinha passado um ano terrível, de confusão de cabeça, de não ter saída. E muitas vezes pensava: ‘tenho de ter um fim, não vou aguentar muito mais’. E foi o que aconteceu: uma hemorragia enorme. Cheguei ao hospital e quase que me deram como morto. Mas tive a certeza de que ia sobreviver», recordou ao Blitz, em 2016, por ocasião dos seus 60 anos.
«Isto é tudo feito no meio de muito álcool e muitas drogas. (risos) Vivíamos num limbo de rock stars, especialmente eu: a noite de Lisboa, entrar à borla nas discotecas, com a minha seita de amigos e namoradas…»
Sobre o arranque dos anos áureos dos Xutos, os inícios dos anos 80, Zé Pedro recordou, ao Blitz, como o álcool e as drogas marcavam o compasso da banda: «Isto é tudo feito no meio de muito álcool e muitas drogas. (risos) Vivíamos num limbo de rock stars, especialmente eu: a noite de Lisboa, entrar à borla nas discotecas, com a minha seita de amigos e namoradas…»
Em 2009, a vida de Zé Pedro mudava para sempre. Apaixonou-se por Cristina Avides Moreira e, passados quatro anos de namoro, o casal acabou por dar o nó, numa cerimónia que contou com a presença dos mais próximos. Dois anos depois da união, a saúde do músico ficou fragilizada e Zé Pedro teve de ser submetido a um transplante hepático. Em novembro de 2017, os Xutos encerravam a digressão no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, naquele que viria a ser o concerto de despedida de Zé Pedro dos fãs. Na sala de espetáculos lisboeta, o músico apareceu com um semblante debilitado.
«A minha vida foi tão saborosa de se viver desta maneira.»
Ainda assim, assinalou o evento com uma mensagem no Facebook, agradecendo o carinho do público. Mesmo com o mundo muitas vezes ao contrário, Zé Pedro sempre foi o homem do leme da sua vida. O fundador do Xutos e Pontapés morreu esta quinta-feira, 30 de novembro, aos 61 anos. Foi em entrevista a Daniel Oliveira, no programa «Alta Definição» que o guitarrista partilhou uma das frases mais marcantes. E que merece ser recordada neste momento. «A minha vida foi tão saborosa de se viver desta maneira.»
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