Tonel: “Fala-se de atos ilícitos ligados a Benfica e FC Porto, mas não conseguem apontar nada ao Sporting”

Tonel: “Fala-se de atos ilícitos ligados a Benfica e FC Porto, mas não conseguem apontar nada ao Sporting”

Entrevistas

Tonel: “Fala-se de atos ilícitos ligados a Benfica e FC Porto, mas não conseguem apontar nada ao Sporting”

Esteve cinco temporadas em Alvalade, quase sempre como titular indiscutível e ganhou o carinho dos adeptos, que adoravam o seu estilo guerreiro. Ganhou duas Taças de Portugal e duas Supertaças e só lamenta não ter sido campeão nacional.

Artigo de André Cruz Martins

29-03-2018

Fez a formação no FC Porto, mas converteu-se ao verde e branco depois de cinco épocas de leão ao peito. Nesta entrevista, recorda os momentos mais marcantes da carreira, fala sobre as suspeitas que se têm abatido sobre os jogadores em Portugal – lembra o seu próprio triste exemplo – e sobre e-mails, jogos combinados e afins, sublinha que o Sporting tem estado sempre afastado dessas confusões.

Tonel foi formado no FC Porto, mas nunca chegou a representar os dragões nos seniores. Depois de três épocas e meia emprestado à Académica, desvinculou-se dos azuis e brancos e assinou pelo Marítimo, onde fez uma época fantástica, que lhe valeu a transferência para o Sporting.

Esteve cinco temporadas em Alvalade, quase sempre como titular indiscutível e ganhou o carinho dos adeptos, que adoravam o seu estilo guerreiro. Ganhou duas Taças de Portugal e duas Supertaças e só lamenta não ter sido campeão nacional, lembrando a célebre época de 2006/07 em que o Sporting ficou a um ponto do FC Porto, no campeonato em que os leões perderam um jogo com o Paços de Ferreira com um golo de Ronny marcado com a mão.

Jogou ainda nos croatas do Dínamo Zagreb e voltou a Portugal para representar Beira-Mar, Feirense e Belenenses. A sua carreira praticamente acabou depois de ser acusado de ter facilitado num jogo com o Sporting, quando cometeu uma grande penalidade aos 90+2 minutos que deu a vitória aos leões, confessando que viveu tempos horríveis, devido às críticas injustas que ouviu dos próprios adeptos do clube da cruz de Cristo. Começou há um mês e meio a carreira de treinador no União de Lamas, da I divisão distrital de Aveiro e confessa que está a adorar a experiência.

Foi formado no FC Porto. Tem boas recordações desses tempos?
Muito boas recordações. Fui campeão nacional de juniores, depois integrei a equipa B do FC Porto, mas nunca joguei na equipa principal e seguidamente fui emprestado durante três épocas e meia à Académica.

Como foi a sua vida na cidade dos estudantes?
É um clube do qual tenho ótimas memórias. Começámos na II Liga mas logo no primeiro ano conseguimos a subida. Jogar na Académica permitiu-me crescer muito como futebolista. Depois fui para o Marítimo [já desvinculado do FC Porto], clube com objetivos mais ambiciosos e participei nas competições europeias pela primeira vez, mais concretamente na Liga Europa.

Em 2005/06 chegou ao Sporting. Ficou surpreendido por não ter demorado muito tempo a começar a ser titular no clube lisboeta?
Sabia que ia ser difícil jogar no Sporting e já tinha enorme orgulho apenas em fazer parte do plantel. Mas também sabia que o resto iria depender do meu trabalho e de aproveitar as oportunidades que me fosse concedidas.

Recorda-se de uma falha que teve no seu primeiro jogo a titular em Alvalade, com o Belenenses e da reação do público?
Claro que sim. Quis atrasar a bola de calcanhar para o Ricardo, que era o nosso guarda-redes, mas o passe saiu-me mal e isolei o Meyong, que felizmente atirou por cima. Todo o estádio reagiu com um grande aplauso, mostrando que os adeptos estavam comigo. Senti algo de muito especial e foi um momento que me deu grande força para encarar o futuro. Quem sabe se o Meyong tivesse marcado golo, o meu trajeto no Sporting não teria sido completamente diferente.

Pensa que os adeptos do Sporting ficaram com boa impressão sua durante os cinco anos em que representou o clube?
Sim, construí uma relação muito boa com os adeptos, que apreciavam o facto de ser um profissional muito dedicado. Ainda hoje, quando me cruzo com adeptos do Sporting, muitas vezes me dizem “o Sporting precisava de mais jogadores com a tua garra”. Claro que fico contente, até porque foram cinco anos no Sporting, não foram cinco dias.

Hoje em dia pode afirmar que é sportinguista?
Há pessoas que são politicamente corretas no que toca a assumir o seu clube, mas eu digo sempre o que penso. Hoje em dia sou sportinguista de alma e coração.

Conviveu com grandes jogadores no Sporting. Quem o marcou mais?
Sem dúvida o Sá Pinto, era ele quem personificava a mística do Sporting. Era um guerreiro que dava tudo pelo clube. Também havia outros líderes no balneário, como o Beto e o Nélson, por exemplo, mas o Sá era o maior exemplo da tal mística.

Ganhou duas Taças de Portugal e duas Supertaças no Sporting, mas faltou o título de campeão nacional.
Sim, faltou ser campeão. Estivemos muito perto numa época em que terminámos a um ponto do FC Porto e em que até se falou muito daquele golo com a mão do Ronny, que nos tirou pelo menos um ponto no jogo com o Paços de Ferreira.

Os responsáveis do Sporting queixavam-se muito das arbitragens nesses tempos. Enquanto jogador sentia que o clube era tratado de maneira diferente pelos árbitros, em comparação com o que acontecia com Benfica e FC Porto?
Não posso dizer, pois não tenho termo de comparação, uma vez que não representei o FC Porto com sénior. Há uma coisa que eu sei: hoje em dia fala-se de muitos atos ilícitos no futebol português em que estão envolvidos Benfica e FC Porto, mas não conseguem apontar nada ao Sporting. Só quem não quiser ver é que não percebe que isto se passa.

Com quem acha que fez a melhor dupla de centrais na carreira?
Felizmente tive uma boa ligação com todos os meus companheiros de setor, mas se tiver de escolher, sem dúvida o Polga. Eu era mais forte na marcação e ele mais um jogador de bola no pé. Entendíamo-nos muito bem.

No Sporting começou por ser treinado por José Peseiro e depois esteve quatro anos com Paulo Bento. Que recordações tem de ambos?
José Peseiro foi a pessoa que me levou para o Sporting e estar-lhe-ei grato para sempre, apesar de depois não ter apostado em mim. Saiu logo em outubro, nessa minha primeira época no Sporting, por isso trabalhámos pouco tempo juntos. Deu no entanto para perceber que é um treinador que gosta de colocar as suas equipas a jogar bem à bola. Quanto ao Paulo Bento, foi o treinador que mais me marcou. Estive com ele durante quatro anos completos e a qualidade que mais destaco nele é a capacidade de liderança. Nunca fugia às decisões que tinha de tomar e só se importava em valorizar o grupo, o que lhe valeu alguns conflitos, nomeadamente com o Stojkovic e com o Vukcevic. Por outro lado, era ele quem muitas vezes dava a a cara pelo Sporting, acabando por sair desgastado e prejudicado.

No Sporting também foi orientado por Carlos Carvalhal e por Paulo Sérgio. Gostou de trabalhar com eles?
O Carlos Carvalhal era uma pessoa e um treinador muito diferente do Paulo Bento, que apanhou o clube numa altura de grande instabilidade, depois dos quatro anos de Paulo Bento. Foi uma altura em que o Pedro Barbosa saiu do cargo de diretor desportivo, entrando o Costinha para o seu lugar, com muitas mudanças pelo meio. O Carvalhal tentou levar as coisas da melhor forma, mas de facto não era fácil. Mas deu para perceber que sabe muito de futebol. Lembro-me de um grande jogo que realizámos com o Everton, ganhando por 3-0 em Alvalade, depois de termos perdido por 2-1 em Inglaterra. Nunca mais me esqueci de uma frase que ele nos disse: “Vamos matá-los com dois toques!” E assim foi, pusemos a equipa do Everton a correr atrás da bola e não lhes demos hipóteses.

Depois de cinco anos no Sporting transferiu-se para os croatas do Dínamo Zagreb. Por que decidiu mudar?
Posso dizer que saí na altura certa. A direção e o Costinha achavam que era tempo de mudar algumas coisas, nomeadamente jogadores que vinham do tempo do Paulo Bento. Disseram-me que se houvesse alguma coisa boa para mim que me deixariam sair. Fui então à procura de um novo clube e acabei por aceitar a proposta do Dínamo de Zagreb. Passei dois anos e meio muitos bons na Croácia e confesso que me senti fantástico em jogar fora do país. Quando estamos em Portugal há sempre os nossos amigos que comentam as exibições que nós fizemos, mas jogar na Croácia libertou-me, por não haver essa proximidade tão grande com as pessoas. Ainda para mais, os resultados foram excelentes, fomos campeões e chegámos à Liga dos Campeões, embora o campeonato croata esteja obviamente a um nível inferior ao português.

Depois do Dínamo Zagreb seguiu-se o Beira-Mar, a partir de janeiro de 2013. Uma experiência que não correu nada bem.
Sim, lesionei-me e custou-me muito, pois fui para o Beira-Mar para ajudar e acabámos por descer de divisão. Ao fim de dois ou três jogos, fiz uma rotura muscular e no primeiro treino em que regressei voltei a rasgar. Cometi o erro de querer regressar cedo demais e depois voltei ainda a fazer outra rotura no meu segundo regresso. Foi responsabilidade minha e do departamento médico.

“O Carvalhal sabe muito de futebol. Lembro-me de um grande jogo que realizámos com o Everton. Nunca mais me esqueci de uma frase que ele nos disse: “Vamos matá-los com dois toques!” E assim foi.”

Seguiu-se o Feirense, em 2013/14, na II Liga.
Curiosamente, eu sou de Santa Maria da Feira. Foi difícil, pois já tinha 33 anos e estive quatro meses parado, devido à lesão sofrida no Beira-Mar. Em setembro de 2012 estava a disputar a Liga dos Campeões, pelo Dínamo de Zagreb e um ano depois estava na II Liga. Imagine o que é, um jogador internacional A, com 50 e tal jogos nas seleções jovens, que jogou num grande clube como o Sporting e na Liga dos Campeões, de repente vê-se nesta situação. No entanto, consegui motivar-me e fiz 80 jogos em duas épocas pelo Feirense, ambas na II Liga.

Até que em 2015/16 voltou ao escalão principal, ao serviço do Belenenses.
Estava com 34 anos, quase a fazer os 35, quando cheguei ao Belenenses. Para ser sincero, já não julgava ser possível voltar à I Liga e por isso fiquei muito feliz. Começou a pré-época e comigo logo a jogar, ajudando o Belenenses a qualificar-se para a fase de grupos da Liga Europa pela primeira vez na história. Continuei a jogar sempre, até que surgiu o fatídico jogo com o Sporting.

Aquele em que fez grande penalidade mesmo a terminar o jogo, com o Sporting a acabar por vencer por 1-0.
Sim, esse mesmo. Fiquei muito triste, foi uma situação que me marcou pela negativa. Sinceramente, não acredito que existam jogadores que se possam vender e hoje em dia vê-se muito esse tipo de acusações. Ao mínimo erro os jogadores são apontados a dedo e penso que isso é reflexo do que se passa na sociedade, que está doente, com o futebol a apanhar por tabela. Passei do céu ao inferno, foi muito penoso para mim ter adeptos do Belenenses a acusarem-me de ter feito de propósito. No desafio seguinte a esse de Alvalade, jogámos em casa com o V. Setúbal e perdemos 0-3 e lembro-me de ouvir bocas dos adeptos quando estava a fazer o aquecimento. As pessoas que mandam no clube falaram comigo e concordámos que esta situação não estava a ser boa para ninguém. Eu até disse ao Sá Pinto [o treinador do Belenenses na época] que não tinha problemas em ir-me embora, mas duas ou três semanas depois foi ele que saiu do clube. Eu fiquei, mas as coisas nunca mais foram as mesmas.

Voltou a ser titular?
Sim, num jogo com o Rio Ave, em Vila do Conde. Fui chamado ao onze e ganhámos, com uma grande exibição minha. Pensava que ia manter a titularidade, mas qual não foi o meu espanto quando no jogo seguinte nem convocado fui. Percebi logo que não voltaria a jogar, mas fiquei até ao fim da época, fazendo o meu trabalho mas sem falar com ninguém da direção ou com o treinador sobre a minha situação.

Voltemos a falar de coisas positivas. Foi poucas vezes internacional A, mas chegou lá. Como foi a sensação?
Fui chamado várias vezes mas só tive duas internacionalizações. Não joguei mais porque havia muitas opções de grande qualidade para o centro da defesa, como Pepe, Bruno Alves, Rolando, Jorge Andrade e Ricardo Carvalho. Andava ali no lote de cinco, seis jogadores que eram hipótese, mas normalmente ficava à porta e não entrava.

Hoje em dia parece óbvio que existe um défice de qualidade na zona central da defesa portuguesa. Pensa que se ainda jogasse teria mais hipóteses de ser chamado?
Não sei, não sei, talvez sim. Sem dúvida que tem de haver uma reformulação no centro da defesa, pois as escolhas habituais estão no final da carreira. Na nova geração, temos o Rúben Dias a destacar-se, também havia o Rúben Semedo, mas infelizmente ele está na situação que todos sabemos. Certamente que mais alguém com qualidade irá aparecer nos próximos tempos.

Em tantos anos de futebolista profissional, tem certamente algumas histórias curiosas para contar. Quer dar-nos um exemplo?
Sim posso contar uma história que se passou quando eu estava no Dínamo de Zagreb e que envolveu um jogador nosso, o Demagoj Vida. Estávamos no autocarro a caminho de um jogo da Taça da Croácia contra uma equipa secundária, quando ele decide abrir uma cerveja. O nosso treinador [Ante Cacic] não foi de modas e expulsou-o logo do autocarro. Ele foi multado em 100 mil euros, não sei se chegou a pagar ou não.

E no Sporting, quem eram os seus colegas mais divertidos?
O Nélson [atual treinador de guarda-redes dos leões]. Estava sempre a meter-se com toda a gente e era muito divertido, fazendo um bom espírito de grupo.

O que tem feito nos últimos tempos?
Sou o treinador do União de Lamas, da I Divisão distrital de Aveiro. Acho incrível que os jogadores de alto nível cheguem ao final da carreira e não tenham equivalência para o nível I do curso de treinadores, enquanto qualquer professor de Educação Física que nunca chutou uma bola na vida tem o nível I. Vou tirar o curso e obviamente que ambiciono construir uma boa carreira, mas a verdade é que são mais de 5 mil pessoas com curso e só há 40 clubes profissionais em Portugal. Tentarei chegar o mais longe possível, mas não estou obcecado. Mas posso dizer que gosto bastante de ver ex-jogadores de futebol a terem sucesso como treinador, como por exemplo o Abel, que está a fazer um grande trabalho no Sp. Braga. Foi meu colega de quarto no Sporting e sem dúvida que merece todo o sucesso que tem tido.

E como tem sido a experiência no União de Lamas?
Sou o treinador há cerca de um mês e meio e estou a gostar muito. Claro que os jogadores têm as suas profissões e chegam muito cansados ao treino e por isso não se pode exigir o mesmo que se exige a profissionais. Tem de se começar por algum lado e eu comecei no União de Lamas, sou só eu e um preparador físico e ele é que é o “encartado”, pois eu não tenho curso. O objetivo é subirmos de divisão e estamos na luta, juntamente com o Beira-Mar e com o Lusitânia de Lourosa.

Ambiciona um dia treinar o Sporting?
Ah ah, calma, calma. Claro que gostaria de um dia lá chegar, mas neste momento isso está muito longe. Vou fazer as coisas passo a passo, tal como aconteceu na minha carreira de futebolista, que foi sempre a subir: II Liga com o FC Porto B, depois a Académica, que lutava pela permanência na I Liga, depois o Marítimo, que estava na Liga Europa e depois o Sporting, que lutava pelo título de campeão e estava na Champions. Gostava de para o ano estar a treinar na II B, vamos a ver se será possível.

Siga o ParaEles no Instagram
Instagram @paraelesofficial

Siga o ParaEles no Instagram
Instagram @paraelesofficial

Artigo de
André Cruz Martins

29-03-2018



RELACIONADOS