Octávio Machado é uma figura incontornável nos últimos cinquenta anos do futebol português. Primeiro, como jogador do Vitória de Setúbal e do FC Porto, depois como treinador de futebol, com destaque para os longos anos em que foi adjunto no FC Porto, tendo depois chegado a técnico principal no Sporting e nos dragões.
Mais recentemente, foi dirigente no clube leonino e saiu em conflito com o então presidente Bruno de Carvalho. Atualmente, dedica-se ao comentário televisivo, expressando muitas vezes opiniões corrosivas, em especial relacionadas com o Benfica e com Bruno de Carvalho. Nesta entrevista ao parales, o “Palmelão” recorda momentos marcantes da carreira e aborda a atualidade, expressando o desejo de que o Sporting entre no trilho do sucesso.
Esteve envolvido no grande crescimento do FC Porto, primeiro como jogador, na década de 70, e depois como treinador-adjunto, nas décadas de 80 e 90. Olhando para trás, o que destaca desse período?
Quando nos anos 70 mudei-me para o FC Porto tomei uma opção de grande risco. Era um clube que não ganhava nada há 19 anos e eu tinha outras opções em carteira. Obviamente que, ao olhar para trás não posso deixar de me sentir extremamente feliz por ter tomado essa posição de representar o FC Porto, pois vivi lá grandes conquistas e alegrias.
Quais as grandes mudanças que nesses tempos se verificaram no FC Porto?
O principal obreiro da transformação do clube foi José Maria Pedroto, muito bem coadjuvado por Pinto da Costa, primeiro como chefe do departamento de futebol e depois como presidente. Verificaram-se alterações profundas na estrutura do futebol e também nas aquisições de jogadores, pois passou a haver um perfil de “jogador à FC Porto”, que tinha de obedecer a determinados requisitos.
E começaram a surgir as vitórias.
Em 1976/77 surgiu a conquista da Taça de Portugal e na época seguinte o título de campeão nacional, a que se seguiu o bicampeonato. Depois, perdemos o tricampeonato e aconteceu o célebre verão quente. Houve uma regressão nos anos que se seguiram, mas rapidamente tudo voltou a entrar nos eixos.
“Quando cheguei o FC Porto era o clube dos Andrades e quando saí já era o clube dos super dragões”
Terminou a carreira de jogador no Vitória de Setúbal, em 1982/83 e voltou ao FC Porto um ano depois como treinador-adjunto.
Fiquei muito feliz pelo convite que me foi feito para regressar aquela casa e ter contribuído para grandes conquistas. Em 1987/88 o FC Porto tornou-se no único clube português a ganhar todas as competições na mesma época: campeonato, Taça de Portugal, Supertaça Europeia e Taça Intercontinental, depois de já ter ganho a Taça dos Clubes Campeões Europeus. Aliás, tenho imenso orgulho em dizer que quando cheguei o FC Porto era o clube dos Andrades e quando saí já era o clube dos super dragões.
Como foi possível transformar o FC Porto de clube perdedor em vencedor?
Através da implementação de uma cultura de profissionalismo. Uma coisa é ser jogador da bola, outra é ser profissional de futebol. Para isso, tem de haver um conjunto de regras de modo a obter rendimento desportivo. Foi implementada uma cultura de exigência, compromisso e solidariedade, com grande espírito de sacrifício. Nós éramos autênticos Globetrotters, faziámos as malas, viajávamos, desfazíamos as malas e voltávamos a viajar, quase sem tempo para treinarmos. Mas fazíamos isso com grande prazer.
“Pinto da Costa perdeu-me quando começou a ser mentiroso”
Não é segredo que teve uma relação de grande cumplicidade com Pinto da Costa, que entretanto se perdeu. Afinal de contas, o que aconteceu?
Não tenho qualquer relação com Pinto da Costa. Ele conquistou-me pela palavra e perdeu-me pela palavra. Quando falou a linguagem da verdade conquistou-me, mas quando começou a ser mentiroso, perdeu-me. Nunca lhe perdoarei, pois foi um comportamento inaceitável da sua parte, ainda por cima numa relação entre duas pessoas que tiveram um percurso tão bonito juntas.
É público que tem três grandes amores: o Vitória de Setúbal, o FC Porto e o Sporting. Diga-nos lá qual é o seu verdadeiro clube?
Defendi esses três clubes com o mesmo empenho e a mesma paixão. Obviamente que posso dizer que sou mais deste ou daquele clube consoante a altura da minha vida e ultimamente a minha grande paixão foi o Sporting. Uma paixão que vivi com grande intensidade e continuo a viver. Continuo a defender o Sporting com toda a força. É um clube enorme, com implementação nacional e uma história ímpar no desporto português.
No seu tempo de treinador principal no Sporting, o clube quebrou um jejum de muitos anos sem ganhar ao FC Porto e consigo passou a ser regra o contrário.
Se não estou em erro, foram 14 anos sem vitórias com o FC Porto [n.d.r: foram sete anos e meio de jejum]. Ao serviço do Sporting, realizei quatro jogos com o FC Porto, ganhámos três, entre eles a Supertaça e empatámos um, com um saldo de 7-2 em golos.
“Comigo, sair de campo só com a perna partida”
Como foi possível passar de resultados tão negativos para resultados tão positivos?
Foi fácil. Aquele plantel era constituído por jogadores de grande qualidade e outros que, não tendo uma qualidade de topo, compensavam com grande entrega e compromisso. E os jogadores também perceberam que as derrotas aconteciam por questões de pormenor, como sair para receber assistência nos últimos minutos e acabar por sofrer o golo da derrota. Sair de campo comigo, só com a perna partida.
Depois, acabou por regressar como dirigente no verão de 2015, com Bruno de Carvalho, a pedido de Jorge Jesus.
Tinha a responsabilidade de fazer a ligação entre o plantel e o treinador. Nunca tive nada a ver com aquisição de jogadores nem com o contacto com empresários. Foi o presidente que ficou com essa incumbência, tendo primeiro delegado em Sancho Freitas e depois em Guilherme Pinheiro. Passado pouco tempo, o presidente passou a ter essa incumbência. Enfim, uma confusão.
“As pessoas já nem ligam ao que Bruno de Carvalho diz”
Todos sabemos que tem sido um crítico feroz de Bruno de Carvalho. Como analisa o recente comportamento do ex-presidente do Sporting e todas as polémicas em que tem estado envolvido?
Felizmente as pessoas já nem ligam ao que ele diz. Quanto menos se falar dele melhor, porque o desejo dele é ter palco. Não se aproveita nada do que Bruno de Carvalho diz e felizmente iniciou-se um novo ciclo no Sporting, com o novo presidente Frederico Varandas. Espero que tenha sucesso, pois os sportinguistas merecem ser felizes.
Pensa que Bruno de Carvalho pode continuar a ser um entrave no regresso da tranquilidade ao Sporting?
Ele bem tenta fazer ruído, mas como dirigente está morto e enterrado, depois de ter escrito das páginas mais negras na história do Sporting e do futebol português. Desejo apenas que recupere como homem, pois tem tido problemas de saúde, que são públicos.
“Naquela hora e meia vale tudo”
Atualmente é comentador em programas desportivos. É uma função que gosta de desempenhar?
Não é algo estranho para mim. Comecei nessa função há muitos anos, no programa “Donos da Bola”, da SIC, passei pela TVI, onde estive na inauguração da TVI 24 e agora estive na inauguração da CMTV.
Os ânimos exaltam-se com frequência entre os comentadores dos programas em que intervém. Fica tudo resolvido na altura ou as relações fora dos ecrãs ficam afetadas?
Há dois ou três comentadores com os quais não tenho nem quero ter relação. Com os outros, sigo o mesmo raciocínio que usava enquanto profissional de futebol: durante aquela hora e meia vale tudo, obviamente sempre tendo máximo respeito pelos nossos adversários. No final do jogo, acabavam-se as picardias e o mesmo se passa no final dos programas.
“Dirigentes do Benfica estão acusados e não indiciados”
Nas suas funções como comentador na CMTV tem sido um feroz crítico do Benfica. O que tem a dizer sobre todos os processos que envolvem o clube da Luz?
Há uma coisa gira: o Paulo Gonçalves, que eu conheço bem de outras histórias e tempos, fez queixa minha ao Conselho de Disciplina da FPF depois de declarações que eu proferi e que tinham apenas a intenção de serem profiláticas. O senhor Meirim, presidente do Conselho de Disciplina, achou que as declarações não tinham sido corretas e entendeu castigar-me. Agora, aguente-se. Quem colocou o Benfica nesta posição vergonhosa foram pessoas que estão dentro do próprio clube. Lamento que os cartilheiros do Benfica sejam incapazes de apontar o dedo a esses responsáveis, preferindo criticar os comentadores de outros clubes. Mas lembro que há dirigentes do Benfica que já estão acusados e não indiciados
Acredita que o Benfica pode vir a ser punido com a descida de divisão?
Não me adianto à justiça, só quero é que ela faça o seu caminho e puna aqueles que falsearam a verdade desportiva