Mats Magnusson ainda hoje é lembrado pelos benfiquistas como um dos melhores pontas de lança que representou o clube. Entre 1987 e 1992 marcou 87 golos em 134 jogos, ganhou dois campeonatos nacionais e uma Supertaça e esteve presente em duas finais da Taça dos Clubes Campeões Europeus perdidas frente ao PSV Eindhoven e ao AC Milan. Em 1989/90 esteve a um triz de ser o melhor marcador dos campeonatos europeus, graças aos 33 golos que apontou.
Depois de ter terminado a carreira afundou-se no consumo do álcool, situação que durou muitos anos e que os adeptos do Benfica puderam testemunhar, quando entrou a cambalear num jogo em 2010 disputado no Estádio da Luz entre glórias do Benfica e uma equipa de amigos de Zidane.
Nesta entrevista ao paraeles, confessa que esteve às portas da morte, mas garante que deu a volta por cima e assume o desejo de voltar a Portugal e ao Benfica.
Continua a viver na Suécia? Como ocupa os seus dias?
Sim, vivo em Malmö e trabalho numa empresa que faz trabalhos de ventilação. Mas a vida não é só trabalho e nas últimas semanas estive distraído a assistir aos jogos do Campeonato do Mundo, na televisão. Tive mais tempo para isso porque atualmente estou sozinho, a minha mulher foi passar uma temporada ao Brasil.
O que achou da participação da Suécia e de Portugal no Mundial?
A Suécia foi uma surpresa, não esperava que terminasse como uma das oito melhores seleções da prova. Mas até poderia ter sido melhor, foi uma pena a derrota com a Inglaterra nos quartos de final, pois tínhamos condições para chegar mais longe. Quanto a Portugal, foi uma equipa sem grande força, o Cristiano Ronaldo esteve sempre muito sozinho na frente. Acho que o Nani fez falta, ele esteve muito bem no Euro 2016 e foi muito importante para o sucesso de Portugal nessa prova. Quero destacar o facto de ter sido um bom Campeonato do Mundo, com futebol positivo, de qualidade e muita velocidade.
“Espero ter as portas abertas no Benfica”
Avancemos já para o tema Benfica, que todos sabemos ser o seu grande amor. Tem acompanhado a pré-época da equipa?
Não tenho estado muito atento, vou esperar pelo início da qualificação para a Liga dos Campeões e pelo campeonato. Vocês aí em Portugal sabem o quão especial o Benfica é para mim. Os cinco anos que lá passei foram os melhores da minha vida. Amo muito os benfiquistas, mas também amo muito os portugueses em geral, pela forma fantástica como sempre me trataram.
Qual a sua melhor recordação desses cinco anos no Benfica?
A união do plantel, estávamos muitas vezes juntos fora do campo, com as nossas famílias. Tenho muito orgulho por ter representado um clube tão grande como o Benfica e ainda continuo com muitos amigos desses tempos: o Valido, o Paulo Madeira, o Mozer, o Schwarz, o Hernâni ou o meu grande amigo Silvino, adjunto do José Mourinho no Manchester United. Ah e o Veloso, não me posso esquecer do Veloso.
Gostaria de voltar ao Benfica? Em caso afirmativo, para que cargo?
O meu grande sonho é voltar ao Benfica. Tenho o objetivo de ir viver para Portugal no máximo dentro de um ou dois anos e vamos ver se será possível voltar ao Benfica. O presidente do Benfica é um homem muito simpático e que gosta muito dos antigos jogadores. Há alguns que trabalham no clube, como o Rui Costa e o Valido. Espero ter as portas abertas, vamos ver se será possível voltar.
“As primeiras pessoas que vi no Benfica tinham quatro e seis dedos”
Como se processou a sua vinda para o Benfica, em 1987?
Eu jogava no Malmö e o meu empresário veio ter comigo. Eu pensei “hum… terei feito algo de errado?” Mas afinal não, eu nem queria acreditar quando ele me disse que ao telefone estava um dirigente do Benfica, interessado na minha contratação. Eu nesse ano tinha voltado ao Malmö, depois de uma época que não me correu bem na Suíça, ao serviço do Servette. Estava muito bem na Suécia, pensava que estava no auge. Mas a minha mulher na altura disse-me que não podia desperdiçar esta oportunidade. E sabe como é, as mulheres é que mandam sempre lá em casa e por isso lá vim para o Benfica.
Lembra-se do seu primeiro treino no Benfica?
Sim, perfeitamente. Vim de boleia com o Carlos Manuel. Aliás, quero agradecer ao Carlos Manuel, que me ajudou muito nos primeiros tempos no Benfica. A primeira pessoa que vi no treino do Benfica foi o Shéu. Quando olhei para a mão dele fiquei espantado, pois só tinha quatro dedos. Depois apareceu o sub-capitão, o Álvaro, que tinha seis dedos. Nunca tinha visto ninguém que não tivesse cinco dedos e as primeiras pessoas que vi no treino do Benfica tinham quatro e seis dedos. Lembro-me que pensei “isto vai ser giro”. Mas fora de brincadeiras, quero agradecer a maneira como o Álvaro e o Shéu me receberam. Não só eles, como todos os outros jogadores do Benfica.
Tem certamente muitas outras histórias curiosas sobre os cinco anos que passou no Benfica. Quer partilhar algumas?
Posso contar a forma como o Mozer me recebeu nos treinos do Benfica. A verdade é que os jogadores do Benfica não me conheciam mas quando viram a minha altura e o facto de ser sueco, todos pensaram de certeza “este gajo é um tosco”. No entanto, bastaram uns toques na bola para perceberem que eu tinha técnica e era rápido. O Mozer ficou espantado e decidiu acalmar-me com algumas porradas nos treinos. Depois percebi que ele era sempre assim com todos os colegas, era a maneira de jogar dele, até nos treinos. Ficámos amigos e preservamos essa amizade até hoje.
“Para alguém que não é do Benfica, é impossível perceber a mística deste clube”
Já deu para perceber que se integrou com facilidade no Benfica e em Portugal.
Sim, correu tudo muito bem logo desde o início. A verdade é que não havia como não gostar. Um estádio com 120 mil pessoas, um clube enorme, uma cidade de Lisboa tão bonita, sol, Cascais. Tive um orgulho enorme em jogar com lendas como Valdo, Veloso, Mozer, Carlos Manuel e Chalana. E ter todos os dias ao meu lado Eusébio, que era o treinador de guarda-redes, era demais. Fiquei benfiquista para sempre. Para alguém que não é do Benfica, é impossível perceber a mística deste clube e o que ele representa. É um pouco como um pai explicar a alguém que ainda não tenha tido filhos o que representa ter um bebé e o amor que temos por essa criança.
Passava muito tempo com Jonas Thern e Stefan Schwarz, os outros suecos com quem jogou no Benfica?
O primeiro sueco a chegar foi o Stromberg, eu já não o apanhei. Vim em 1987, depois o Thern chegou em 1989 e o Schwarz em 1990. Ou seja, ainda houve dois anos em que fui o único sueco no Benfica. Passávamos muito tempo juntos, mas também convivíamos bastante com os jogadores de outras nacionalidades. Éramos uma autêntica família.
Qual é a sua melhor recordação do Benfica?
Não posso deixar de falar na época de 1989/90, em que marquei 33 golos no campeonato [40 em jogos oficiais] e quase fui Bota de Ouro europeu. Nessa mesma época, chegámos à final da Taça dos Campeões Europeus, em que perdemos por 1-0 com o AC Milan, mas não fomos inferiores. E também perdemos outra final da Taça dos Campeões Europeus uns anos antes, com o PSV. Ainda hoje tenho pesadelos com o penálti falhado pelo Veloso.
“Jonas é melhor ponta de lança do que eu fui”
É notório o carinho que os adeptos do Benfica ainda hoje lhe dedicam. Por que razão pensa que isso acontece?
Sim, é incrível a loucura sempre que vou a Portugal. Quando me reconhecem, fazem uma festa enorme e eu fico emocionado, claro. Acho que eles reconhecem o facto de eu nunca me ter comportado como uma estrela. Mantive-me sempre humilde e falava com toda a gente a caminho do treino, depois de estacionar o meu carro ao pé do estádio. A última vez que estive em Portugal foi na comemoração do tetracampeonato, em 2017 e tive a sorte de estar na camioneta com os jogadores. Ia lá atrás e foi espectacular ver a alegria daqueles adeptos. Só no Marquês de Pombal estavam 200 mil pessoas. Só o Benfica mesmo para conseguir algo do género.
O que acha de Jonas, ponta de lança que tem marcado o Benfica e o futebol português nos últimos anos?
Está à vista de todos o grande jogador que ele é. É melhor ponta de lança do que eu fui e para além de marcar muitos golos, é alguém que sabe jogar à bola.
Confessou publicamente o seu problema com o álcool. Já está tudo ultrapassado?
Sim, eu tenho duas vidas e felizmente esta que estou a viver é um paraíso. Em 2010 estava no inferno, sabe? Só queria beber e arranjava todas as desculpas para o fazer. Enganava as pessoas que estavam próximas de mim e mentia muito. Percebia que as pessoas estavam preocupadas comigo, mas eu não queria saber. Fui salvo pela minha atual mulher, que se chama Valdenice e é brasileira. Para além da Valdenice também fui muito ajudado por um amigo meu, que é empresário em Malmö. Foi ele que me deu trabalho e em troca convenceu-me a ser internado numa clínica de reabilitação. Aceitei e essa foi a melhor decisão que tomei na vida.
“Estive tão mal que podia não estar a dar esta entrevista”
Está totalmente recuperado?
Sim. Ganhei muitos jogos e títulos ao longo da minha carreira, mas a recuperação do problema do álcool foi a minha grande vitória. Estive tão mal que podia não estar a dar-lhe esta entrevista. Mas pronto, é um assunto encerrado e não quero falar mais nisso.
Entretanto, lançou a sua autobiografia na Suécia e afirmou que iria lançá-la também em Portugal. Tem alguma novidade?
O livro vendeu muito aqui na Suécia e faz todo o sentido que também seja lançado em Portugal, pois muitos capítulos são “vermelhos”, ou seja, sobre a minha vida em Portugal. Estou à espera de alguém que traduza o livro.
Gostaria de deixar uma última mensagem aos adeptos do Benfica?
Eles sabem que eu os amo muito e que tenho muito orgulho em ser benfiquista. Não há um dia em que não tenha novas mensagens simpáticas de benfiquistas no meu Facebook e tento sempre responder. Quero muito ir viver para Lisboa para estar junto destas pessoas e relembrar todas as coisas boas que por lá passei.