João Lousada: “Primeira missão tripulada a Marte vai acontecer na década de 2030”

João Lousada: “Primeira missão tripulada a Marte vai acontecer na década de 2030”

Entrevistas

João Lousada: “Primeira missão tripulada a Marte vai acontecer na década de 2030”

Conheça João Lousada, o astronauta português que tem trabalhado em várias missões, com intuito de viajar para Marte no futuro.

Artigo de Hugo Mesquita

23-09-2018

Quem nunca sonhou em viajar para o Espaço? Este tem sido um tema abordado com frequência nos últimos tempos, principalmente, desde que o excêntrico Elon Musk, fundador da Tesla, enviou um modelo da marca para Marte, mas também pelo grande número de filmes que têm saído sobre este tema, como “Perdido em Marte”, protagonizado por Matt Damon, e “Passageiros”, que conta no elenco com nomes como Jennifer Lawrence e Chris Pratt.

A pergunta para um milhão de euros é: quando é que o ser humano vai pisar Marte? Uma pergunta de difícil resposta. No entanto, uma coisa é certa: se for nos próximos anos, há um português na linha da frente para fazer parte dessa tripulação. Chama-se João Lousada.

Este astronauta português tem realizado vários missões em Terra com intuito de se preparar para uma viagem a Marte no futuro. Na mais recente, a AMADEE-18, João Lousada e a sua equipa foram colocados em condições que pretendem aproximar-se ao máximo do ambiente adverso do planeta vermelho. Dhofar, em Omã, foi o local escolhido para esta difícil missão.

Falámos com João Lousada sobre esta missão e outros assuntos envolvendo o espaço. Tentámos compreender o seu percurso até aqui e as suas perspetivas para o futuro, tanto a nível pessoal, como astronauta, como também ao nível das missões espaciais no geral.

“Após ser selecionado, um astronauta tem ainda vários anos de treino pela frente, antes de estar apto a voar”

Comecemos pelo início. Como descobriu que queria ser astronauta?
Para mim esta paixão pelo espaço e esta vontade de explorar foram algo que sempre esteve comigo. Desde pequeno que me lembro passar muitas vezes o verão na aldeia dos meus avós e, para mim, que cresci em Lisboa, ficava surpreendido e fascinado ao ver uma tão vasta quantidade de pequenos pontos luminosos no céu. Desde então, decidi que queria contribuir de alguma forma para o futuro da exploração espacial.

Arranja explicação para que tantas crianças sonhem ser astronautas quando mais pequenas?
Na minha opinião, a exploração faz parte da natureza humana. Como crianças, em particular, sentimos isso: queremos sempre descobrir mais, aprender mais sobre o mundo, explorar diferentes sítios, tentar novas coisas, ver o que está por detrás do horizonte. E acredito que a exploração espacial é algo que evoca estes sentimentos, é algo que ajuda a humanidade a chegar mais longe e a descobrir mais sobre o cosmos, mas também sobre o nosso planeta. Acho que isso é algo que sempre irá inspirar, não só crianças, mas também adultos.

Como é que um português chega a astronauta? Que caminho deve percorrer?
Até hoje nunca um português foi selecionado como astronauta. No entanto, Portugal é membro da Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês), e assim, cidadãos portugueses podem ser seleccionados como astronautas da ESA. Para isso, primeiro seria necessário haver uma “call” para astronautas feita pela ESA – a ultima foi em 2008. Havendo uma “call”, qualquer cidadão de cada estado membro da ESA pode candidatar-se. Terá depois que passar por uma série de testes técnicos, psicológicos, médicos, etc. que se tornam cada vez mais difíceis. O número de candidatos a astronauta vai sendo reduzido ao longo do processo de cerca de 10 000 até 5 ou 6 selecionados. Após ser selecionado, um astronauta tem ainda vários anos de treino pela frente antes de estar apto a voar e ter a sua primeira missão.

“O “Apollo 13″ é o meu filme preferido na temática de exploração espacial”

Acredita nas viagens comerciais para o espaço no futuro?
Sim, acredito que será apenas uma questão de tempo. Vejo que o interesse existe e que muitas empresas estão a trabalhar para reduzir os custos e aumentar a segurança de voos comerciais sub-orbitais e orbitais. Ainda que inicialmente os custos sejam altos e proibitivos para a maioria das pessoas, acredito que existirá sempre a tendência para a redução destes custos e o aumento da acessibilidade ao espaço para cada vez mais pessoas.

Que palavras lhe merecem as teorias da conspiração que dizem que o Homem nunca pisou a lua? De que tudo não passou de montagens dos estúdios de Hollywood.
Acho importante ser autocrítico e questionar-nos frequentemente. É assim que temos aprendido mais sobre o nosso planeta e o universo, e é assim que vamos corrigindo as nossas ideias prévias e encontrando novas teorias e leis que melhor explicam o universo. No entanto, neste caso, vejo que existem diversas provas que demonstram que as aterragens na lua (ou alunagens) realmente aconteceram. Desde de fotografias e vídeos (não só provenientes da NASA, mas também de satélites e observadores de outros países e organizações independentes), a análise mineralógica de rochas lunares e reflectores de laser que ainda estão presentes na superfície lunar e a funcionar.

Falando em Hollywood. Que filme sobre esta temática gosta mais? E qual é aquele que, na sua opinião, consegue ser mais realista e completo?
Gosto de filmes que tentam ser plausíveis e representam o ambiente espacial realisticamente. Na minha opinião, o universo é fascinante tal como é, e vejo com agrado que muitos dos mais recentes filmes nesta área tentam manter-se fiéis à realidade e não “enganar” os espectadores com tecnologias impossíveis ou explicações mirabolantes. Se tivesse que escolher, acredito que “Apollo 13” seria o meu filme preferido na temática de exploração espacial.

O João está agora numa missão com vista a uma ida a Marte no futuro. Sobre esta realidade, existe um filme muito recente, “Perdido em Marte”, com Matt Damon, o que achou da obra? Podemos dizer que a personagem de Matt Damon é um astronauta análogo, como o João?
Gostei particularmente do livro de Andy Weir (que deu origem ao filme) e claro, também da sua interpretação cinematográfica. É um bom exemplo de uma história cativante, mas que se mantém muito fiel a uma possível (futura) realidade. As primeiras missões tripuladas a Marte, provavelmente, terão muitos aspetos semelhantes às representadas no filme – com a exceção de deixar um astronauta abandonado em Marte, esperemos!

“Existem diversas provas que demonstram que as aterragens na lua (ou alunagens) realmente aconteceram”

O que é um astronauta análogo?
Resumidamente, um astronauta análogo é uma pessoa que foi seleccionada e treinada para desempenhar as funções de astronauta em missões análogas – ou seja, em missões que acontecem na Terra, em ambientes semelhantes (análogos) ao planeta que queremos explorar – por exemplo, desertos, grutas, montanhas, com características geológicas semelhantes às de Marte. Estas missões têm como objectivo simular uma missão tripulada a Marte, e aprender mais sobre os desafios que nos esperam, quais a tecnologias que poderemos utilizar e quais os melhores conceitos para uma missão deste tipo.

 

“As primeiras missões tripuladas a Marte terão, provavelmente, muitos aspetos semelhantes às representadas no filme”

Pode nos falar um pouco mais sobre a sua experiência na AMADEE-18?
A missão AMADEE-18, realizou-se no deserto de Dohfar, em Omã, durante 4 semanas. Durante esse tempo estive isolado, com uma pequena equipa, numa aérea longe de qualquer civilização, a testar as diferentes tecnologias que poderemos um dia utilizar em Marte. Durante esta missão realizamos diversas experiências científicas, em diferentes áreas como astrobiologia, geologia, robótica e até psicologia. Utilizámos, por exemplo, uma estufa insuflável que funcionava de forma autónoma e permitia cultivar pequenos rebentos e assim obter alimentação (experiência da agência espacial italiana) ou impressoras 3D que permitiram imprimir uma grande variedade de peças, facilmente substituindo qualquer peça que se danificasse e assim reduzimos a quantidade de peças necessárias para a missão – quanto menos peso melhor, em missões espaciais. Esta experiência foi proposta por um grupo estudantes de diferentes universidades.

Quais são os seus próximos passos?
De momento, trabalho não só como astronauta análogo e comandante em missões análogas, mas sou também engenheiro de operações de voo para a estação espacial internacional, na GMV, controlando todos os sub-sistemas do módulo europeu “Columbus”. Como próximos passos, espero poder continuar a contribuir nestas duas vertentes para o futuro da exploração espacial. Estamos neste momento a trabalhar na próxima missão análoga e também a recrutar novos astronautas análogos para este tipo de missões. E espero também poder continuar a apoiar os astronautas a bordo da estação espacial internacional, ajudando-os a aprender mais sobre o ambiente espacial e os seus efeitos no corpo humano.

“A primeira pessoa a caminhar em Marte provavelmente já nasceu”

Sonha e acredita que um dia ainda vai pisar a Marte?
Levar humanos até Marte e pôr pegadas, pela primeira vez, num outro planeta, será certamente um enorme esforço de cooperação e entreajuda de diversas organizações e países. Será uma das maiores (se não a maior) conquista da humanidade. Pessoalmente, estar a contribuir de alguma forma para essa conquista, é algo muito especial.

Em que ano acredita que o homem vai chegar ao planeta vermelho?
Acredito que a primeira missão tripulada a Marte acontecerá na década de 2030. Isso significaria que a primeira pessoa a caminhar em Marte provavelmente já nasceu.

E viver em Marte?
Estabelecer uma base permanentemente em Marte, e poder viver no planeta necessitaria, de um desenvolvimento tecnológico significante, principalmente para garantir a sustentabilidade do habitat e não estar dependente de recursos enviados desde a Terra. Acredito que só alcançaremos este nível de autonomia a partir de 2050. Até lá, as missões tripuladas a Marte serão sempre ‘com regresso’.

“É egocêntrico acreditar que, entre milhões de galáxias, cada uma com milhões de planetas, o nosso planeta seria o único onde a vida surgiu”

Acredita em seres extraterrestres? Se sim, consegue arranjar uma explicação para que, aparentemente, nunca se tenham manifestado?
Acredito que seria muito egocêntrico da nossa parte, acreditar que, entre milhões de galáxias, cada uma com milhões de planetas, o nosso planeta seria o único onde a vida surgiu. Existem várias hipóteses que podem explicar o porquê de nunca termos detetado vida noutro planeta: é possível que não exista vida nos planetas que estudamos (aqueles mais próximos ao nosso sistema solar), é possível que a vida seja completamente diferente da que existe na Terra e que, por isso, estejamos a procurar incorrectamente, é possível que a vida inteligente noutros planetas prefira e faça esforços para não ser detetada (por exemplo, para a sua própria segurança). Por outro lado, é possível também que a vida tenha surgido pela primeira vez na Terra. Não sabemos. Mas essa é uma das razões porque queremos explorar e aprender mais sobre o universo que nos rodeia.

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Hugo Mesquita

23-09-2018



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