Carlos: “É muito fácil os clubes pensarem que podem aliciar os jogadores”

Carlos: “É muito fácil os clubes pensarem que podem aliciar os jogadores”

Entrevistas

Carlos: “É muito fácil os clubes pensarem que podem aliciar os jogadores”

Aos 38 anos, o guarda-redes Carlos Fernandes ainda joga, ao serviço do Vilafranquense. Nesta entrevista, fala do seu atual momento, relembra os episódios mais marcantes de uma carreira cheia de boas histórias e aborda ainda os rumores de compra de jogadores por parte dos clubes adversários.

Artigo de André Cruz Martins

28-04-2018

Foi no Boavista que Carlos Fernandes começou a destacar-se no principal escalão do futebol português, quando agarrou a titularidade na temporada de 2004/05. Entretanto, passou pelo Steaua Bucareste, onde jogou na Liga dos Campeões e viu o proprietário Gigi Becali afirmar que dava 100 mil euros a qualquer clube que fosse buscar o guarda-redes. Carlos fez-lhe a vontade e até saiu de borla, logo no dia seguinte a esta polémica afirmação.

Entretanto, passou pelos campeonatos iraniano, turco e angolano, chegou a ser falado como hipótese para a seleção portuguesa, mas optou por Angola, ao perceber que o sonho luso muito dificilmente seria concretizado.
No início desta época, regressou literalmente a casa, ao seu Vilafranquense, clube onde se iniciou, na cidade onde nasceu. E apesar de já ter 38 anos, a sua ambição não tem limites e deseja bater o recorde de Quim como jogador mais velho a atuar na I Liga.

Como avalia este seu regresso ao Vilafranquense?
É uma experiência que está a correr muito bem do ponto de vista desportivo[o Vilafranquense apurou-se para o play-off de acesso à II Liga], mas foi um pouco estranho pois tive de reaprender a jogar numa divisão inferior. A grande diferença é que tenho de estar sempre a falar com os meus colegas da defesa, transmitindo-lhes indicações e corrigindo o seu posicionamento, pois cometem muitos erros a esse nível. A equipa acredita na subida de divisão, o que seria um feito tremendo.

Como é que encontrou Vila Franca de Xira tantos anos depois de ter saído da cidade?
Não gosto desta Vila Franca de Xira, pois parece uma cidade-fantasma, não se vê ninguém nas ruas. Espero que a eventual subida à II Liga traga mais gente.

Tem 38 anos. Até quando planeia jogar?
Ainda quero chegar lá acima e quando digo lá acima é mesmo a I Liga. Quero terminar a carreira na I Liga e bater o recorde do Quim [o guarda-redes do Desportivo das Aves é o jogador mais velho de sempre a jogar no escalão principal, com 42 anos]. Tenho estado a jogar e penso que tenho condições para bater esse recorde.

Podemos então presumir que não vai continuar no Vilafranquense na próxima temporada, mesmo que a subida de divisão se concretizar?
Não vou esconder que já tenho algumas possibilidades de outros clubes em carteira, nomeadamente para o estrangeiro. Vamos esperar para ver o que vai acontecer. Mas por outro lado, estou na minha cidade, gosto de representar este clube e da possibilidade de estar em casa, sem muito stress. Vamos ver o que irá acontecer nas próximas semanas.

A sua estreia na I Liga foi ao serviço do Boavista, em 2004/05. Que recordações tem desse tempo?
Foi no Boavista que tudo começou mais a sério, pois foi o clube que me deu a oportunidade de me estrear na divisão principal e logo com um jogo em casa do FC Porto. Depois do Boavista, ter a possibilidade de jogar na Liga dos Campeões ao serviço do Steaua Bucareste e representar a seleção angolana foram os pontos mais altos da minha carreira.

Depois do Boavista seguiu-se uma experiência na Roménia, ao serviço do Steaua Bucareste.
Sim, foi uma boa e uma má experiência, em que tudo começou bem, pois consegui ter um grande impacto em termos individuais e chegámos à Liga dos Campeões. Mas depois tudo se complicou naquela história que é do conhecimento público.

“Quem não pode de certeza vir passar férias a Portugal é o Gigi Becali, pois está em prisão domiciliária em casa”

Está certamente a referir-se ao episódio em que Gigi Becali, proprietário do clube, afirmou que oferecia 100 mil euros aos clubes que quisessem levar o Carlos. Isto depois de um jogo com o Real Madrid.
Sim, estou a referir-me a esse episódio. Foi uma frase muito infeliz, mas também temos de ter em atenção que o Gigi Becali é um antigo pastor que fez fortuna depois de ter herdado umas terras da família. Eu estava há um mês e pouco a pedir para sair, pois tinha uma boa proposta de um clube estrangeiro e ele aproveitou-se um pouco da situação. Na zona mista, logo a seguir ao jogo com o Real Madrid informaram-me que ele tinha dito isso e eu afirmei que se fosse verdade, ia fazer as malas e no dia seguinte ia-me embora da Roménia. E assim aconteceu.

Arrependeu-se de ter tomado essa decisão?
Fi-lo por uma questão de orgulho e não me arrependi, embora confesse que se fosse hoje teria feito as coisas de outra maneira.

Ainda assim, ficou com boas recordações da sua passagem pela Roménia?
Sem dúvida alguma, até porque fiz lá bons amigos, para a vida. Posso dizer que o atual presidente do Steaua [o clube entretanto mudou de nome para FCSB] vem todos os anos a Portugal com a mulher passar férias em minha casa. Quando o clube veio recentemente a Portugal jogar com o Sporting, fui ter ao hotel com eles. A 26 de maio vou eu à Roménia passar férias. Mas eu sou assim, deixo amigos em todo o lado. Quem não pode de certeza vir passar férias a Portugal é o Gigi Becali, pois está em prisão domiciliária em casa.

Disse que faz amigos em todo o lado, ainda assim é possível eleger o seu melhor amigo no futebol?
Talvez seja um pouco injusto fazer essa escolha, até porque corro o risco de deixar algumas pessoas de fora. Mas a escolher alguém, posso optar pelo Toñito, que me ajudou muito quando eu estava a começar no Boavista. Nessa altura eu não jogava, chorava muito e era muito impulsivo. Estive quase para me vir embora, mas foi ele que me deu bons conselhos e me aguentou lá.

Jogou na Roménia, Irão, Angola e Turquia. Em qual destes países foi mais feliz?
Na Turquia. Vivi numa cidade, Esmirna, em que era verão o ano todo. Era tão feliz lá com a minha família que a minha filha me disse que não se queria vir embora. Para além de ter gostado muito do país, é impossível ficar indiferente ao ambiente fantástico que se vive nos estádios turcos, que estão sempre cheios e com adeptos fanáticos.

Imaginamos que fosse constantemente interpelado pelos adeptos na rua.
Sim, nós os jogadores éramos tratados como uns autênticos heróis. Os adeptos fartavam-se de pedir para tiramos selfies e autógrafos. Mas por vezes a loucura era tanta que eu tinha de me refugiar uns tempos em casa.

E como foi a experiência no Irão, onde representou o Foolad, em 2007/08 e 2008/09?
Também gostei bastante de estar lá e adorei a forma simples de ser daquele povo, que não quer saber do dinheiro para nada. Tinha colegas meus que chegavam aos treinos em Peugeots 306 a cair de podres. Eu perguntava-lhes porque faziam isso, até porque tinham condições económicas para comprarem outros carros, ao que eles me respondiam que a qualquer momento podia rebentar uma bomba e ia tudo pelos ares.

“Tinha colegas que chegavam aos treinos em Peugeots 306 a cair de podres, porque a qualquer momento podia rebentar uma bomba e ia tudo pelos ares”

Foi Augusto Inácio que o levou para o Foolad, certo?
Certo, certo. Quando cheguei assustei-me à séria, pois aquilo havia prédios destruídos e um cenário de guerra. Mas depois nunca me vi envolvido em nenhuma situação de perigo de vida, até porque o mediatismo dos jogadores leva a que estejam sempre bem protegidos. Aliás, alguns iranianos dizia-me: “amigo, não te preocupes, nós temos o país mais seguro do mundo, porque as bombas saem daqui para o estrangeiro’. E volto a destacar o caráter dos iranianos, é incrível o valor que eles dão à família.

Jogou em bons clubes portugueses, como o Boavista e o Rio Ave, mas nunca representou um dos três grandes. Houve a hipótese de jogar num dos grandes?
Chegaram-me umas coisas aos ouvidos, mas sempre depois de me ter comprometido com outros clubes. Mas diretamente, nunca me chegou qualquer proposta.

Houve alguma situação de que se tenha arrependido ao longo da sua carreira?
Arrependido não, mas ficou a eterna mágoa depois daquele episódio na Roménia. Fiquei uns tempos sem jogar e nessa altura tinha Bétis e Sevilha interessados. Foi tudo por água abaixo.

Acabou por optar pela seleção angolana. A seleção portuguesa chegou a ser uma hipótese?
O Scolari disse-me que me ia levar ao Mundial da Alemanha [em 2006] depois de eu ter feito uma boa época no Steaua. Não vou dizer se mereceria ter ido ou não, mas claro que ambicionava representar a seleção portuguesa. Cheguei a ser pré-convocado, mas nunca estive numa convocatória final. Depois em 2010 surgiu a hipótese da seleção angolana e até foi o Manuel José [selecionador angolano na altura] que me incentivou a ir. Ainda bem que aceitei, pois se não o tivesse feito nunca teria tido a possibilidade de jogar uma Taça de África das Nações, ainda por cima no país organizador.

Qual foi o treinador que mais o marcou?
O Jaime Pacheco foi o meu pai, ensinou-me tudo no futebol. E acho que ele só não teve tanto sucesso em Portugal porque é igual a mim, somos ambos muito corretos e retos. Mas acho que não há um único treinador com razões de queixa em relação ao meu empenho no trabalho.

“É muito fácil os clubes pensarem que podem aliciar os jogadores”

E qual foi o melhor jogador com quem se cruzou?
O João Vieira Pinto, no Boavista. Estava habituado a vê-lo na televisão e ali estava eu, a jogar com ele no Boavista. Ficava deliciado a olhar para a forma como tratava a bola, ele jogava de pantufas.

Esta época tem sido marcada pelas várias suspeitas envolvendo alguns jogadores da I Liga. O que tem achado dessa situação?
Costuma dizer-se que onde há fumo, há fogo e a verdade é que devido aos salários em atraso que existem no futebol português, é muito fácil os clubes pensarem que podem aliciar os jogadores. E vamos ser realistas, temos de dar de comer aos filhos. Mas atenção, não tenho conhecimento de nenhum caso em específico.

Fora do futebol, como gosta de ocupar os tempos livres?
Sou uma pessoa tranquila e gosto essencialmente de dormir e de passear com a minha filha. Ela joga voleibol no Benfica. Se joga bem? Dizem que sim, mas tem 14 anos, por isso ela que estude. Depois se quiser ser desportista profissional, que seja, mas primeiro estão os estudos.

A terminar, conte-nos uma história curiosa que tenha vivido em tantos anos de futebol.
Estou a escrever um livro que está bem avançado. Não vou contar nenhuma história senão depois ninguém compra o livro (risos).

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Artigo de
André Cruz Martins

28-04-2018



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