Carlão: “No dia em que conseguir um álbum perfeito vou ter que arranjar outra profissão”

Carlão: “No dia em que conseguir um álbum perfeito vou ter que arranjar outra profissão”

Entrevistas

Carlão: “No dia em que conseguir um álbum perfeito vou ter que arranjar outra profissão”

Depois de 26 anos de carreira, Carlão não quer ouvir falar em perfeição. Até porque se a atingir, será o dia em que deixará de ter pica pela música.

Artigo de Bruno Seruca

20-05-2019

Nasceu Carlos Nobre Neves, mas para os fãs da música portuguesa é conhecido como Pacman e Carlão. Disse-nos que gosta de ser descrito como letrista e vocalista e fez parte dos Da Weasel, a mítica banda de Almada. O ponto de partida para a conversa com Carlão foi o lançamento de “Entretenimento?”, o seu trabalho mais recente. Mas houve ainda tempo para muitos outros temas, ou não tivessem já passado 26 anos desde que Carlão iniciou a carreira.

Começando pelo nome da música que ganha agora um vídeo e também no nome do álbum mais recente. “Entretenimento” é um dos objetivos da música?
É um dos objetivos, seguramente – na minha não é o prioritário.

E este entretenimento, associado a uma eventual vertente comercial da música, pode acabar por se sobrepor ao desejo de um músico fazer aquilo que realmente deseja? Já aconteceu contigo?
Eu faço por separar as coisas da seguinte forma: no que toca à composição e conceção artística – na verdade tudo que o que tem a ver com a criatividade – não deixo que nada se sobreponha à minha ideia original. Já no que toca à divulgação do trabalho e à sua promoção, admito fazer algumas concessões.

“No que toca à composição e conceção artística – na verdade tudo que o que tem a ver com a criatividade – não deixo que nada se sobreponha à minha ideia original”

Ainda em relação à palavra, porquê a interrogação no título do álbum?
Por várias razões. Porque vivemos numa altura em que tudo parece ser tratado e comunicado como entretenimento, na definição mais superficial da palavra: até a política. A própria indústria do entretenimento parece ter ultrapassado todos os limites, quebrado todas as regras éticas e morais, parece que vale tudo. Finalmente a questão também é colocada a mim mesmo, enquanto peão desse jogo. Até que ponto é que estou disposto a jogá-lo?

“Continuo a ser o palhaço” é uma das frases do tema. Quem ou o quê é que já te fez sentir assim?
Para dar um exemplo, quando toco num sítio onde às pessoas tanto faz se sou eu em cima do palco ou outro artista qualquer, o sentimento é esse.

 

 

Também cantas “sou uma lenda na minha cabeça”. Olhando para o percurso que trilhaste na música portuguesa, percebes que é essa a ideia que muitas pessoas têm de ti?
Bom, esse é um termo que as pessoas usam muito frequentemente por estes dias e claro que a mim já me tocou algumas vezes pela boca de alguns putos mais entusiastas. Quando tens uma carreira que já passa por décadas é inevitável isso acontecer. O que eu faço nesse momento da música é um exagerar de uma situação por que todos os artistas – admitam ou não – passam. Aquele olhar ao espelho a tentar perceber se somos realmente relevantes na nossa arte.

Já disseste que andas sempre à procura da música perfeita, do álbum perfeito. Isso foi alcançado com este trabalho? É o melhor que já fizeste?
Até à data creio que sim, é o melhor. Está longe de ser perfeito. No dia em que conseguir um álbum perfeito vou ter que arranjar outra profissão.

“No dia em que conseguir um álbum perfeito vou ter que arranjar outra profissão”

Na música #Demasia existe uma crítica a esta era virtual, com os jovens a passarem cada vez mais tempo nas redes sociais. Para quem cresceu sem telemóveis e redes sociais, como é que se lida com esta realidade que também acaba por ser evidente na música, com muitas das pessoas entre o público dos espetáculos a passarem mais tempo a gravar o concerto do que a vibrar com as músicas?
Para as pessoas de uma geração que passou a adolescência sem internet é realmente complicado, por vezes, mas permite-nos dosear melhor as coisas, colocá-las noutra perspetiva.

É especial contares com o contributo do teu irmão [João Nobre] neste tema?
Claro que sim. É um compositor fora de série e uma pessoa que amo e respeito bastante.

Fazendo aqui um pequeno desvio, como é que um pai lida com este realidade que acaba por ser aquela em que as filhas têm facilmente acesso, por ser algo normal e comum para todas as crianças?
Para os putos é praticamente impossível ver as coisas da mesma forma que nós, já nasceram no meio disto. Mas eles safam-se. Na verdade, não têm que ver as coisas como nós. Mas é impossível não lhes partirmos a cabeça. Os nossos pais também se passaram com a nossa suposta perda de valores e superficialidade da vida, tal como os pais deles se passaram com eles e por aí fora. É o ciclo da vida e o incontornável choque de gerações.

“Se dez pessoas dizem extremamente bem de ti e uma diz mal, as palavras da que diz mal é que ficam ali a remoer na tua cabeça”

Ainda ficando na era virtual. Tens curiosidade de ver o que é dito sobre ti nas redes sociais?
Tenho curiosidade mas quase nunca a satisfaço. Se dez pessoas dizem extremamente bem de ti e uma diz mal, as palavras da que diz mal é que ficam ali a remoer na tua cabeça. Ora a proporção não é essa para ninguém nos dias que correm – por muito querida que a pessoa seja pelos internautas – por isso evito a chatice.

O álbum conta com várias colaborações. Existe alguma história curiosa que tenha levado à escolha dessas pessoas?
Não, nem por isso. É tudo malta de quem gosto bastante enquanto músicos e pessoas. Uns que conheço há muito tempo, outros com quem travei conhecimento mais recentemente.

Fugindo das colaborações para a música portuguesa, que letra de que música gostavas que tivesse sido escrita por ti?
Nenhuma. Talvez possa ter pensado isso quando era puto mas hoje em dia reconheço que a piada é essa: se gosto muito de uma música é porque ela me surpreendeu sobremaneira e, por muito que me possa identificar com ela, nunca poderia ter sido eu a escrevê-la. Existe e ainda bem, isso chega-me.

“Não sei se vai acontecer [regresso dos Da Weasel], mas aprendi que de facto nunca se pode dizer nunca”

Vamos recuar até 1993, altura em que surgem os Da Weasel. Imaginavam que estavam a criar algo que acabaria por marcar a música portuguesa por ser algo diferente e a que as pessoas não estavam habituadas?
Claro que não. Éramos uns miúdos com vontade de tocar, só isso.

Recentemente entrevistei o Virgul e acabei por perguntar sobre um eventual regresso dos Da Weasel. “Devemos isso aos fãs e a cada um de nós” foi a resposta. Partilhas desta ideia? É algo que acabará por acontecer?
Percebo que ele diga isso porque não houve a despedida que uma banda da nossa dimensão se calhar merecia. Não sei se vai acontecer, mas aprendi que de facto nunca se pode dizer nunca!

O constante desejo dos fãs de vos verem novamente juntos faz com que se apercebam do impacto que tiveram junto do público? Talvez até mais do que durante o tempo em que subiam aos palcos.
Sim, é isso mesmo.

Ao longo do teu percurso, alguma vez colocaste a hipótese de deixar a música?
Um par de vezes, mas não consegui.

“No dia em que se atinge a perfeição no que quer que seja é o dia em que a mesma deixa de dar pica”

Tendo como ponto de partida a criação dos Da Weasel, já lá vão 26 anos de carreira. A que soa este número?
Assusta um pouco. A vida passa muito rapidamente.

É fácil arranjar motivação para continuar? É aquela coisa da eterna procura pela música e álbum perfeitos?
Tal e qual. Como disse ali atrás, no dia em que se atinge a perfeição no que quer que seja – se é que isso é possível – é o dia em que a mesma deixa de dar pica.

Como imaginas o teu futuro na música? Ou não gostas de pensar nisso?
Tento não o fazer.

Se dependesse de ti a forma como te irei descrever no texto de introdução a esta entrevista, o que gostarias que viesse depois do teu nome?
Letrista/Vocalista.

Fotos: NashDoesWork

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Artigo de
Bruno Seruca

20-05-2019



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