Moreira: “Foi uma maldade não me darem a oportunidade de jogar um único minuto na época do Boavista campeão”

Moreira: “Foi uma maldade não me darem a oportunidade de jogar um único minuto na época do Boavista campeão”

Entrevistas

Moreira: “Foi uma maldade não me darem a oportunidade de jogar um único minuto na época do Boavista campeão”

Fez parte do único plantel campeão nacional do Boavista, mas estava castigado e não jogou um único minuto. Foi internacional português e teve passagens de sucesso pela Bélgica, Alemanha, China e Sérvia.

Artigo de André Cruz Martins

19-09-2018

Moreira Almani, atualmente com 40 anos, foi um dos grandes jogadores da formação do Boavista da década de 90 do século passado. Fez parte do plantel dos axadrezados que em 2000/01 se sagrou campeão nacional, mas não foi utilizado um único minuto pelo treinador Jaime Pacheco, pois foi castigado pela direção, por se ter recusado a renovar contrato.

Não esmoreceu e construiu uma carreira muito meritória, com passagens de sucesso por clubes da Bélgica, Alemanha, China e Sérvia. Foi internacional jovem e da seleção B por Portugal e depois representou a Guiné-Bissau, o país onde nasceu. Hoje em dia, trabalha na empresa ACR Soccer, como empresário de jogadores.

Começou a jogar no Sacavenense e aos 16 anos chegou ao Boavista, onde verdadeiramente se deu a conhecer. Como se processou essa mudança para um clube de muito maior dimensão?
Não tinha a intenção de jogar no Boavista e não me estava a ver no Porto, pois sempre vivi na zona de Lisboa. No entanto, acabei por me integrar bem na cidade e no clube e foi no Boavista que comecei a ter noção de que iria ser profissional de futebol, algo que até então nunca me tinha passado pela cabeça.

No Boavista, “foi por ali” fora, até se estrear nos seniores, na época de 1999/00, depois de uma temporada de empréstimo ao Gil Vicente.
Sim, as coisas começaram a correr-me bem nos juniores, depois fiz a minha primeira época como profissional ao serviço do Gil Vicente, na II Liga, tendo conseguido marcar 12 golos, um dos quais ao Sporting, num jogo em que ganhámos por 3-2 e seguimos em frente na Taça de Portugal. Na época seguinte, regressei ao Boavista.

Como foi integrar esse plantel do Boavista, em que não faltavam estrelas?
Era um plantel fantástico, com jogadores como o Rui Bento e o Jorge Couto, que tinham a preocupação de integrar os jogadores mais jovens. Foi fantástico conviver com craques como esses dois que já referi e ainda o Sánchez, o Timofte, entre outros.

Na época seguinte, fez parte do único plantel campeão nacional do Boavista, mas não fez um único jogo. Conte-nos o que aconteceu.
Fui o único jogador do plantel que não somou um único minuto. Como não renovei contrato com o clube, essa foi a forma de me castigarem. Foi uma infeliz coincidência ter sido na época em que o Boavista foi campeão.

“No Hamburgo os treinos eram tão duros que depois só me apetecia dormir”

Mas não queria ficar no Boavista?
Eu queria ficar, mas não chegámos a acordo.

Fazia parte do grupo e treinava-se normalmente?
Exatamente. O Jaime Pacheco, que era o treinador, até dizia que eu era um exemplo pelo empenho que demonstrava nos treinos. Pode ter sido indicação dos dirigentes para ele não me colocar a jogar, mas a verdade é que ele era o treinador. Entretanto, já nos encontrámos e falámos sobre esta situação, mas fiquei com muita mágoa dele. E também já falei com o João [Loureiro], que era o presidente na altura. Foi uma enorme maldade que me fizeram, não me darem a oportunidade de jogar um único minuto nessa época histórica do Boavista campeão.

Na época seguinte e mesmo depois de não ter jogado no Boavista, teve uma temporada de sonho no Standard Liège, onde chegou, viu e venceu.
Sim, fui muito feliz no Standard e estive seis anos ao mais alto nível. Só tive pena de não termos conquistado nenhum título. Durante esses seis anos, recebi muitas propostas de bons clubes de Inglaterra e França, mas o presidente não as aceitou, pois dizia que os adeptos não me deixavam sair.

Nesses seis anos houve um em que esteve emprestado ao Hamburgo. Como correu a experiência?
Gostei de ter representado o Hamburgo SV, mas foi uma época muito intensa a nível físico. Eram treinos tão duros, que depois estava muito cansado e só me apetecia dormir. Mas a verdade é que esses treinos duros resultavam, pois nos jogos, aos 90 minutos ainda me sentia bem e fartava-me de correr.

“Na China os jogadores tinham de lavar a roupa à mão”

Como viu a descida do Hamburgo SV à II Liga? Era o único clube totalista na primeira divisão alemã.
Com tristeza, pois o Hamburgo SV tem adeptos fabulosos que não merecem passar por uma situação destas.

Depois esteve três anos e meio no Partizan, onde conquistou quatro títulos de campeão nacional.
No início não queria ir e perguntava “o que raio vou eu fazer para a Sérvia?” Convidaram-me a ir lá e foi um amor à terceira vista porque só fiquei convencido depois da terceira visita que fiz ao clube (risos). Aprendi a gostar de um clube fantástico, com adeptos incríveis e no qual fui sempre campeão nacional.

Os adeptos do Partizan são conhecidos pelo seu fanatismo. Ficou marcado por algum episódio que tenha vivido com eles?
A determinada altura, estávamos a passar por uma fase menos boa e um grupo de adeptos do Partizan invadiu o nosso autocarro. Disseram tudo o que tinham para dizer, exigindo o empenho dos jogadores e depois saíram. Não houve agressões, felizmente. Duas semanas depois, voltou a acontecer o mesmo e aqui confesso que já tive mais receio, pois estavam a insultar-nos e tentaram parar o autocarro em plena autoestrada. Felizmente, não conseguiram o seu objetivo. Mas atenção, regra geral tive uma excelente relação com os adeptos, quando as coisas corriam bem à equipa – e no Partizan corriam quase sempre bem – tratavam-me de forma fantástica nas ruas e nos restaurantes.

Em 2011, seguiu-se um clube chinês, o Dalian Aerbin. Gostou de viver na China?
Depois de ter chegado, ainda fiquei algum tempo com os sonos trocados. O Dalian era um clube novo, acabado de fundar e ainda faltavam algumas coisas básicas. No primeiro dia, um colega meu da Costa Rica disse-me que tínhamos de lavar a roupa à mão, porque ainda não havia roupeiro. Eu ri-me e perguntei se ele estava a gozar, ao que ele respondeu que não, que era mesmo verdade. Mas acabei de gostar desta experiência, até porque fomos campeões da II Divisão e subimos à I Liga.

Ficou espantado com algum costume chinês?
Sim, para eles é normal estarem à mesa e arrotarem ou darem um peido. Nas primeiras vezes, achei estranho, mas depois habituei-me.

“É normal arrotarem ou darem um peido à mesa. Nas primeiras vezes, achei estranho, mas depois habituei-me”

Jogou pelas seleções jovens portuguesas e pela seleção B. Só faltou mesmo a seleção A.
Joguei desde os sub-18 até aos sub-21 e pela seleção B e claro que só tive pena de não ter chegado à seleção principal. Foi fantástico ter tido a oportunidade de defender as cores de Portugal. Todos os jogadores mereciam passar por uma experiência destas.

Uma vez que nunca foi internacional A, acabou por aceitar o convite para representar a seleção da Guiné-Bissau. Por que razão o fez?
Porque a Guiné-Bissau sempre mostrou interesse em contar comigo e porque foi o país onde nasci. Na primeira vez em que fui chamado fiquei parvo com o apoio do povo, havia milhares de pessoas que nos acompanharam desde o aeroporto até ao hotel. E num estádio com capacidade para 5 mil pessoas estavam 15 mil a ver o treino.

Mas isso acontece normalmente ou foi numa ocasião especial?
Ganhámos a primeira jornada de qualificação para Taça das Nações de África e as pessoas estavam muito contentes e motivadas.

Qual foi o treinador que mais o marcou?
O Queiró, que apanhei nos juniores do Boavista. Eu era um “brinca na areia” e ele incutiu-me uma mentalidade “à nortenho”, forte e aguerrida. E não me posso esquecer do Jesualdo Ferreira, que me deu a oportunidade de representar a seleção portuguesa.

“Tínhamos uma relação de amizade e esperava muito mais da parte de Jorge Mendes”

Jorge Mendes chegou a ser seu empresário. Como foi a vossa relação?
Não foi uma parceria feliz para o meu lado. O único clube que encontrei por causa dele foi o Dínamo Moscovo e não foi a melhor opção para mim. Tínhamos uma relação de amizade e esperava muito mais da parte dele. Possivelmente, ele tinha outras prioridades.

Deixou de jogar futebol em 2014, ao serviço do Atlético. O que tem feito desde então?
Fui presidente da SAD do Atlético, uma experiência que não correu como queríamos, pois não conseguimos o objetivo de chegar à I Liga. Hoje em dia, trabalho na ACR Soccer como intermediário de jogadores.

Tem alguma pérola entre mãos?
Sim, temos o Derick Boloni, um menino de ouro que joga no Leixões. Mas temos outros jovens com grande qualidade.

Siga o ParaEles no Instagram
Instagram @paraelesofficial

Siga o ParaEles no Instagram
Instagram @paraelesofficial

Artigo de
André Cruz Martins

19-09-2018



RELACIONADOS