Pedro Henriques: “Temos os piores árbitros dos últimos 20 anos”

Pedro Henriques: “Temos os piores árbitros dos últimos 20 anos”

Entrevistas

Pedro Henriques: “Temos os piores árbitros dos últimos 20 anos”

Chegou a internacional e era considerado um dos melhores juízes portugueses na primeira década do século XXI. De forma surpreendente, começou a ter classificações pouco condizentes com o seu estatuto – nesta entrevista queixa-se de ter sido prejudicado por alguns observadores de árbitros – e em 2010 abandonou a arbitragem, um ano antes do limite de idade e depois de ter descido de divisão.

Artigo de André Cruz Martins

14-03-2018

Pedro Henriques era um dos árbitros preferidos dos adeptos, devido à sua forma de apitar “à inglesa”, deixando o jogo correr e não apitando faltas sucessivas, como é normal em Portugal. Chegou a internacional e era considerado um dos melhores juízes portugueses na primeira década do século XXI.
De forma surpreendente, começou a ter classificações pouco condizentes com o seu estatuto – nesta entrevista queixa-se de ter sido prejudicado por alguns observadores de árbitros – e em 2010 abandonou a arbitragem, um ano antes do limite de idade e depois de ter descido de divisão.

Logo a seguir enveredou pela carreira de comentador de arbitragem e hoje em dia é a “estrela” do polémico programa Juízo Final, da Sport TV, em que é feita a análise aos jogos dos três grandes portugueses, através da tecnologia inovadora do vídeo-árbitro, e que permite analisar imagens exclusivas de golos, faltas e lances, de todos os ângulos e com todas as repetições. Critica o trabalho que tem sido realizado pelo atual presidente do Conselho de Arbitragem, José Fontelas Gomes, mas fecha a porta de uma eventual candidatura à liderança deste órgão, garantindo ser um homem realizado profissionalmente.

Que balanço faz do programa Juízo Final, que estreou a meio de fevereiro?
Faço um balanço positivo, mas tenho de fazer uma nota: o segundo e o terceiro programas foram transmitidos em dias em que houve jogos do Sporting e por isso transmitidos muito mais tarde do que o horário habitual, das 22h00. E devido a esses jogos do Sporting, a análise dos lances foi feita em cima do joelho, sem grande tempo e fugindo ao planeamento original do programa.

Em traços gerais, qual é a intenção do programa?
Escolhemos os quatro/cinco lances dos jogos dos três grandes suscetíveis de provocar mais polémica e temos a possibilidade de mostrar alguns ângulos que as pessoas não observam durante a transmissão televisiva. Temos este lado inovador e depois o lado mais tradicional dos comentadores ligados aos três grandes, algo que pode ser criticado ou não, mas que é cultural em Portugal.

Como têm sido as reações ao programa?
A noção que tenho é que não tem sido positiva por parte das pessoas com responsabilidades na arbitragem, pois têm receio que os árbitros fiquem mais expostos por se mostrarem imagens de determinados ângulos nas quais se percebe que os árbitros não decidiram bem. As pessoas da arbitragem têm de perceber que vivemos numa era em que a televisão ganhou grande importância, permitindo corrigir erros que tinham sido cometidos. E aliás, através do nosso programa, o público tem uma noção da dificuldade do trabalho dos árbitros e do VAR’s, que têm de analisar lances muito duvidosos em 30 ou 40 segundos, como se vê pelas diferentes opiniões que existem dos comentadores sobre o mesmo lance.

Como encarou as críticas que lhe foram feitas por Francisco J. Marques, diretor de comunicação do FC Porto, que questionou os lances que por vezes são escolhidos para análise no Juízo Final?
Algumas pessoas já estavam a fazer críticas mesmo antes da estreia do programa. Houve um FC Porto-Sporting para a Taça de Portugal que serviu de ensaio geral para a estreia do programa. Fizemos a análise dos lances polémicos desse jogo logo depois do apito final e a impressão com que algumas pessoas ficaram foi de que eu iria estar a comentar lances no intervalo do jogo, podendo dessa forma até influenciar o árbitro no seu desempenho na segunda parte. Isto nunca esteve previsto funcionar assim, como é óbvio, o programa é sempre à segunda-feira, depois de realizados todos os jogos da jornada. Quanto às críticas que me fazem sobre a escolha dos lances, só posso dizer que são ridículas, pois em todos os jogos acabamos por escolher sempre os mesmos quatro, cinco lances dos outros programas de televisão e dos jornais. Sinceramente, não tenho tempo para criticar o trabalho dos outros e quem me critica ou não tem nada para fazer ou então gostaria de estar no meu lugar. A minha filosofia de vida não é essa e não desperdiço o meu tempo com esta nova figura nacional, o chamado “hater profissional”, que diz mal de tudo e de todos.

Concorda com a opinião geral de que o protocolo do VAR é muito restrito e deveria ser alargado?
Em primeiro lugar, é importante referir que foi com este protocolo que foram revertidos mais de 50 lances neste campeonato. Normalmente nós focamo-nos no que está mal e efetivamente, concordo que este protocolo é muito rígido. Penso que se irá evoluir para uma maior possibilidade de intervenção do VAR e os árbitros irão cada vez mais pedir para ver as imagens no monitor.

Esta época já vimos o Conselho de Arbitragem reconhecer erros cometidos pelo VAR. Concorda com esta forma de atuar?
Não concordo, mas não é pelo reconhecimento dos erros. Não concordo porque temos visto sempre um Conselho de Arbitragem reativo e não ativo. Posso-me referir concretamente ao reconhecimento do erro do VAR no golo anulado ao Doumbia no Sporting-Feirense, em que o Conselho de Arbitragem se pronunciou depois de ter havido muitas críticas a essa decisão. É verdade que este caso foi diferente de todos os outros, porque se tratou de uma má interpretação do protocolo e não de um lance de opinião sobre a marcação ou não de uma grande penalidade, ou de uma expulsão. Mas, volto a dizer, o Conselho de Arbitragem tem sido reativo.

O que alterava na forma de comunicação do Conselho de Arbitragem?
Em primeiro lugar, faz falta alguém que perceba de comunicação sobre arbitragem e não podem ser feitos comunicados por pessoas que possam perceber de comunicação mas que pouco percebem de arbitragem. Por exemplo no comunicado em que foi explicado que o golo do Sporting nesse jogo com o Feirense foi mal anulado, havia uma citação do protocolo que não estava correta. Na minha opinião, uma vez por semana, ou de 15 em 15 dias, deveria ser feito um esclarecimento público sobre lances concretos ou poderiam ser divulgados alguns áudios da comunicação entre árbitro e VAR, como já foi feito no passado.

Como analisa o mandato de José Fontelas Gomes como presidente do Conselho de Arbitragem?
O balanço deve ser feito no fim do mandato, pois é possível que ainda não tenha implementado todas as medidas que preconizou. Parece-me no entanto óbvio que falta estratégia a este Conselho de Arbitragem. É muito curto o que tem sido feito, embora tenha de ser justo e reconhecer que a herança deixada por Vítor Pereira era complicada. Este Conselho de Arbitragem nomeia árbitros e VAR’s e pouco mais. Como está a situação da Academia da Arbitragem, que deveria ajudar a que aparecessem novos talentos? Por outro lado, há sempre algo que não corre bem nas atuações dos jovens árbitros que têm sido lançados, que têm cometido erros com influência nos resultados. E como está a profissionalização dos árbitros? A forma como foi gerida a questão da greve, que depois afinal não avançou, reflete na perfeição a falta de liderança deste Conselho de Arbitragem.

«Temos possivelmente o pior quadro de árbitros dos últimos 18, 20 anos na relação qualidade/quantidade»

Como avalia o atual quadro de árbitros da I Liga portuguesa?
Temos possivelmente o pior quadro de árbitros dos últimos 18, 20 anos na relação qualidade/quantidade. Por exemplo, a escolha de Artur Soares Dias para o último FC Porto-Sporting foi pacífica, até porque o Jorge Sousa não podia apitar, pois tinha dirigido um dos clubes poucas jornadas antes. Isto seria impensável acontecer há alguns anos, pois havia sempre muitas possibilidades de escolha para os jogos grandes.

Queixou-se há pouco da profissionalização dos árbitros. Podemos depreender que na sua opinião não existe uma verdadeira profissionalização?
Claro que não existe. Na minha opinião, todos os árbitros deveriam ter curso de treinador de Nível I, de modo a terem uma melhor compreensão do jogo. É certo que todos os árbitros têm acesso a um nutricionista, mas isso não chega, deveriam ter uma preparação mais rigorosa, não basta treinarem-se três vezes por semana, como acontece. Também deveriam ter acesso a um melhor apoio psicológico… Por outro lado, fazem falta reuniões dos árbitros a nível nacional, algo que também não sucede. Outro aspeto que considero essencial hoje em dia: os árbitros deveriam ser preparados para saberem dar uma entrevista. Há uns tempos, um árbitro que teve a loja assaltada, nem sabia o que estava a dizer nas declarações que proferiu à comunicação social. Houve 1 milhão de euros para investir no VAR mas já não houve dinheiro para investir numa verdadeira profissionalização.

Isso quase parece um discurso de candidato a presidente do Conselho de Arbitragem. Gostaria de um dia ter esse cargo?
Com toda a sinceridade, não. Não estou a dizer que um dia não possa acontecer, mas vejo-me com muito mais apetência para lidar com a comunicação social, daí este meu papel atual como comentador. O que eu gosto verdadeiramente é da análise e do comentário e, sobretudo, de explicar às pessoas o que diz a lei. Também gosto de dar formação aos jovens árbitros e de dar aulas na faculdade e por isso veria com muito melhores olhos liderar uma Academia de Arbitragem. Por outro lado, a função de presidente do Conselho de Arbitragem é muito política, há muita hipocrisia no ar e eu não gosto de andar em jantares, de festas e de ver jogos nos camarotes.

Tem saudades de apitar jogos de futebol?
Nos meus pensamentos não surgem muitas vezes recordações desses tempos. Vou pondo umas fotos no Facebook do meu tempo de árbitro, mas apenas por uma questão de orgulho. Recentemente apitei um jogo de estrelas e fi-lo com todo o prazer, mas a verdade é que estou muito feliz com a minha vida atual. O que acabou acabou e eu só sei viver as coisas aplicando-me a 100 por cento, sem saudosismos.

Já foi divulgada a lista de árbitros para o Campeonato do Mundo da Rússia e constata-se a ausência de representantes portugueses. No entanto, é possível que haja algum português com a função de VAR, depois da aprovação dessa tecnologia por parte do International Board?
Quase de certeza que Artur Soares Dias será chamado para a função de VAR e terá uma função importante. Vamos esperar que no Campeonato da Europa de 2020 também ele esteja presente mas como árbitro, pois tem qualidade para tal.

Considera Artur Soares Dias o melhor árbitro português da atualidade?
No contexto atual, somando as suas qualidades e a forma como é respeitado pelos jogadores, penso que sim. É possível verificar que quando Artur Soares Dias erra, há muito menos confusão e barulho por parte dos jogadores, isto comparando com os outros árbitros.

Como analisa o ambiente que atualmente vigora no futebol português, com constantes críticas aos árbitros. Não é nada de novo, como sabemos, mas este é o pior ambiente de que se recorda?
Penso que sim, muito potenciado pelos diretores de comunicação e ampliado pelas redes sociais, que em vez de informarem desinformam. Os diretores de comunicação estão mais à vontade do que os presidentes e os diretores desportivos para se exporem e depois assistimos a uma guerra sem limites entre os três grandes.

O que acha que deve ser feito para impedir esta escala de violência verbal?
A Liga de Clubes deveria aprovar medidas mais duras para os que lançam acusações graves mas depois não as conseguem provar. Infelizmente, as penalizações são muito leves e já houve pessoas e instituições muito desgastadas por acusações sem provas. Acho que isto ainda vai piorar se não forem rapidamente tomadas medidas.

No seu papel de comentador, sente-se constrangido ao criticar antigos colegas de profissão?
Não, até porque é meu hábito ser depreciativo, ao contrário de outros comentadores.

Qual foi o jogador mais complicado com quem se cruzou durante a sua carreira?
Possivelmente o Pedro Barbosa, que apesar de normalmente ser educado conseguia ser irónico e fazia perguntas como “senhor árbitro, se um jogador agarrar um adversário é falta?”. Em 2010 passámos a ser colegas como comentadores na TVI 24 e mostrou ser completamente diferente do jogador que encontrei em campo, sendo sempre uma pessoa muito simpática.

Abandonou a arbitragem em 2010, um ano antes de atingir o limite de idade. Afinal de contas o que aconteceu?
As classificações ditaram a minha descida de divisão e decidi abandonar. Abandonei como forma de protesto, por entender que a minha classificação não foi justa.

Como ficou a sua relação com Vítor Pereira, o presidente do Conselho de Arbitragem na altura?
A minha descida foi anunciada pelo programa Bola Branca, da Rádio Renascença, e ele ligou-me logo a seguir, a pedir desculpa pela fuga de informação. Não sou uma pessoa vingativa e já nos cruzámos algumas vezes, sem qualquer problema

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André Cruz Martins

14-03-2018



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