Rodolfo Reis: “O Sérgio Conceição não vai em grupos”

Rodolfo Reis: “O Sérgio Conceição não vai em grupos”

Entrevistas

Rodolfo Reis: “O Sérgio Conceição não vai em grupos”

Entrevistámos Rodolfo Reis, o maior exemplo de «jogador à Porto» e estrela no programa «Play-Off», da SIC Notícias.

Artigo de André Cruz Martins

20-03-2018

O FC Porto foi o único clube que Rodolfo Reis representou ao longo da sua carreira, entre 1969 e 1984. E se há alguém que pode ser definido pela clássica expressão «jogador à Porto» é este antigo médio centro raçudo, que não se importava de usar do físico para amedrontar os adversários. Sob a liderança de Pinto da Costa e José Maria Pedroto, foi peça essencial na afirmação portista como grande clube e para espanto de muitos, terminou a carreira aos 30 anos, preferindo não jogar mais depois dos azuis e brancos não terem renovado o seu contrato.

Enveredou por uma carreira de treinador, com passagens por clubes como o Tirsense, Leça e Famalicão e acabou por regressar ao «seu» FC Porto em 1998, onde foi adjunto durante três temporadas. Saiu de cena em 2001 e não mais voltou ao futebol dentro das quatro linhas. Atualmente, é uma das estrelas do programa de debate «Play-Off», da SIC Notícias, onde muitas vezes entra em aceso despique com os seus antigos rivais (mas também colegas de seleção) João Alves e Manuel Fernandes.

Como se sente por só ter representado um único clube ao longo da carreira de jogador?
Claro que tenho um orgulho muito grande em apenas ter representado o FC Porto. Hoje em dia é muito difícil um jogador construir uma carreira em apenas um clube e nos três grandes só temos o exemplo do Rui Patrício. Mas naqueles tempos já era muito difícil, por isso posso dizer que estou na história do FC Porto.

É tido como um dos grandes exemplos de “jogador à Porto”. Explique-nos lá o que é (ou era) isso.
Sim, concordo em absoluto, fui um “jogador à Porto”. Foi uma expressão que nasceu no tempo em que éramos treinados pelo José Maria Pedroto e em que colocámos o coletivo à frente do individual. Só nos interessava a equipa e fazíamos o que era preciso para que ela tivesse sucesso, se fosse preciso metendo a cabeça onde os adversários metiam o pé. Posso dizer que me anulei um pouco como jogador, pois até era tecnicamente evoluído mas colocava sempre em primeiro lugar os interesses da equipa.

Era acusado de ser um jogador muito duro. Isso era verdade?
Foi isso que ficou para a história, de facto. E não escondo que os outros jogadores tinham medo de mim, aliás nem se aproximavam. Um dos jogadores que apareciam muito na minha zona era o João Alves, hoje meu colega no «Play-Off». Mas ele era como os outros, tinha medo de mim e não se aproximava muito. (risos)

Ao longo de tantos anos como jogador profissional há alguma história curiosa que nos queira contar?
A mais engraçada terá ocorrido num Sporting-FC Porto, disputado em Alvalade. O Artur, o “ruço”, na época jogador do Sporting, deu uma grande pancada e meio campo no Simões. Entretanto meti-me entre os dois e, «feito Zequinha», deixei-me cair ao chão depois de ter sentido um encosto da parte dele. Qual não é o meu espanto quando o árbitro nos expulsa aos dois. Ok, ele podia não merecer o vermelho, mas eu muito menos. Vamos os dois para os balneários e eu começo a correr atrás dele a grande velocidade, pois apetecia-me dar-lhe uma tareia. O Vasques, que estava na baliza, virou-se para o Artur aos gritos «olha o Rodolfo, olha o Rodolfo» e quando cheguei à beira dele, estendeu-me o braço. Acabámos por sair abraçados e ovacionados pelo público. Inclusivamente, o presidente do Sporting deu-me os parabéns pelo gesto de «fair-play».

Há algum jogador que tenha passado nos últimos anos pelo FC Porto que fosse parecido consigo?
As coisas foram-se modificando. Os equipamentos foram-se tornando menos pesados e as bolas mais leves, daí os jogadores parecerem mais rápidos. Mas posso referir alguns jogadores com os quais me identifiquei, nomeadamente o André, pai do André André, o Costinha ou o Fernando. E no atual plantel, o Danilo.

Gostou de ser treinado por José Maria Pedroto?
Sim, sem dúvida. Quando cheguei, o FC Porto era um clube de bairro e foi com o Pedroto que mudámos a nossa mentalidade. E também com o Pinto da Costa, evidentemente. Antes do Pedroto e do Pinto da Costa, se perdêssemos não vinha grande mal ao mundo, mas com eles tudo mudou, pois trouxeram grande exigência, disciplina e organização. Por outro lado, o Pedroto era muito avançado a nível de metodologia do treino e dava umas palestras fantásticas. Era muito perspicaz e amigo dos jogadores, mas exigia profissionalismo a 100 por cento.

Pinto da Costa sucedeu a Américo de Sá como presidente. Que diferenças havia entre os dois?
Em primeiro lugar, o Pinto da Costa percebia de futebol e estava junto da equipa, enquanto o Américo de Sá era um presidente muito distante. O trabalho do Pinto da Costa está à vista de todos, tendo conseguido transformar um clube de bairro num dos melhores clubes do mundo.

Pinto da Costa já é presidente do FC Porto há 36 anos. Acha que ainda vai continuar muito tempo no cargo?
Espero que sim. Ainda tem mais dois anos de mandato e um de opção e espero que se mantenha por mais algum tempo, desde que continue a ter saúde. Está à vista de todos que o FC Porto voltou ao nível habitual, depois de quatro, cinco anos menos positivos.

Qual foi o melhor jogador com quem se cruzou ao longo da sua carreira?
O mais genial foi o António Oliveira, mas nós temos sempre tendência para escolher os goleadores e nesse caso opto pelo Fernando Gomes, que marcava de todas as maneiras e feitios.

«Com todo o respeito por eles, os últimos treinadores que passaram pelo FC Porto não tinham o perfil indicado.»

Como é ser colega de painel no «Play-Off» de dois antigos rivais dentro de campo, Manuel Fernandes, do Sporting e João Alves, do Benfica?
Eram rivais sim, mas por exemplo o João Alves também era meu amigo, dos tempos das seleções jovens, em que partilhámos o quarto muitas vezes. Garanto que foi uma amizade que ficou para a vida.

No entanto, por vezes parecem zangar-se a sério no programa.
E garanto-lhe que às vezes zango-me a sério com o João e o Manel, pois pugnamos pelos interesses dos clubes que defendemos, embora algumas pessoas possam pensar que estamos na tanga. No entanto, quando acaba o programa, fazemos como nos tempos de futebolista no final dos 90 minutos: tudo acaba ali naquele momento e amigos como dantes.

Diga-nos lá, recebe uma «cartilha» por parte do FC Porto?
Sou o mais «anti-cartilheiro» que existe e basta ver os meus comentários nestes últimos quatro anos, em que muitas vezes disse mal do FC Porto quando não gostava da atitude da equipa, pois não transmitia os valores deste clube. Claro que fico triste quando tenho de dizer mal do FC Porto, mas digo. Não sou como alguns comentadores do Benfica que dizem que a equipa deles joga bem mesmo quando não joga nada. Mas esta época não consigo dizer nada de mal da equipa do FC Porto, que tem estado muito bem.

Manuel Fernandes e João Alves são tão honestos como o Rodolfo Reis nas análises que fazem sobre os respetivos clubes?
O Manuel Fernandes tenta, mas coitado, não pode, pois é empregado do Sporting e tem de defender o seu clube até à exaustão, algo que eu compreendo perfeitamente, pois se fizer asneira o presidente do Sporting não vai gostar. Quanto ao João Alves, só via para um lado mas tem melhorado um bocadinho nos últimos tempos.

Há muitas pessoas que criticam programas como o «Play-Off» pelo facto de falarem pouco do que se passa dentro das quatro linhas. Qual é a sua opinião?
Falar apenas de futebol é cada vez mais difícil, pois este desporto derivou para outras variantes. O que interessa é falarmos com verdade e penso que fazemos isso no «Play-Off».

Em janeiro foi insultado por Bruno de Carvalho, que lhe disse, entre outras coisas, «quem foi almoçar com o JJ e lamber-lhe o rabo foste tu, Rodolfo». Já se cruzaram depois disto? O que lhe dirá se eventualmente se encontrarem?
Acho que ele não vai passar perto de mim se estivermos no mesmo sítio, assim como eu passarei por ele fingindo que não o conheço. É uma pessoa que não se portou bem comigo, mas não posso dar muita importância porque ele não se porta bem com o mundo, não foi só comigo que aconteceu.

Acha que é esta temporada que o FC Porto vai voltar a ser campeão nacional?
Nada está ganho, mas se o FC Porto vencer os quatro jogos até ao jogo com o Benfica e se não perder na Luz vai ser campeão [a entrevista foi feita algumas horas antes da derrota portista em Paços de Ferreira]. Acredito que o Benfica pode ganhar os jogos todos até ao fim, mas não coloco o Sporting fora desta luta. E reforço, o FC Porto tem de continuar numa bitola elevada até ao fim.

Como analisa o trabalho de Sérgio Conceição enquanto treinador do FC Porto?
Com todo o respeito por eles, os últimos treinadores que passaram pelo FC Porto não tinham o perfil indicado. Tudo o que de bom está a acontecer ao FC Porto é graças ao Sérgio Conceição. Ele é como eu, um homem frontal, honesto e que certamente tem conversas francas com os jogadores. Em suma, não vai em grupos e fala a linguagem do futebol. Gosto de pessoas assim.

O Rodolfo Reis não treina desde que foi adjunto de Fernando Santos no FC Porto, em 2000/01. A que se deve esta longa ausência?
Fomos penta campeões no FC Porto em 1998/99, mas nos dois anos a seguir não fomos competentes e o clube entendeu e bem escolher outra equipa técnica. Recebi convites, mas pensei para comigo: «em Portugal boa parte das equipas deve oito a nomes de salários, para que é que me vou meter num desses clubes?» E por outro lado não queria voltar a trabalhar em equipas que lutassem para não descer de divisão. Por isso, optei por ficar com a família e por me dedicar aos meus negócios. Assim como aos 30 anos decidi deixar de jogar futebol depois do FC Porto não ter renovado comigo, agora também optei por não voltar mais ao futebol.

Como analisa as acusações que têm pendido nos últimos meses sobre o Benfica e alguns dos seus principais responsáveis?
É a maior vergonha no futebol português e a justiça tem de fazer o seu papel. Quem prevaricou tem de ser castigado, mas infelizmente somos um país muito brando que não pune os que se portam mal. Uma coisa é certa: este caso pode não ter tido ainda consequências judiciais para o Benfica, mas já teve consequências nefastas para a sua credibilidade. Não conseguiram esconder nada, vem tudo escarrapachado nos jornais. Sinceramente, não queria estar na posição de Luís Filipe Vieira, pois isto é uma bola de neve que não ficar por aqui e acho que muito de grave para o Benfica se vai passar.

A terminar, diga-nos: é um homem feliz?
Faço o que gosto e estou muito tempo com a família. Por outro lado, estou muito contente por poder falar de futebol num programa com tanta visibilidade como o «Play-Off». A minha mulher está bem, os meus filhos estão bem, encontro-me bem de saúde, enfim, posso dizer que sou um homem feliz.

Siga o ParaEles no Instagram
Instagram @paraelesofficial

Siga o ParaEles no Instagram
Instagram @paraelesofficial

Artigo de
André Cruz Martins

20-03-2018



RELACIONADOS