Paulo Battista: “Somos demasiado pequenos para tantos doutores”

Paulo Battista: “Somos demasiado pequenos para tantos doutores”

Entrevistas

Paulo Battista: “Somos demasiado pequenos para tantos doutores”

Estivemos na alfaiataria mais famosa de Lisboa, onde jogadores como Quaresma e o apresentador Manuel Luís Goucha fazem fatos à medida. Não fomos tirar medidas, mas conversar com Paulo Battista, o homem que colocou a alfaiataria na boca de todos.

Artigo de Bruno Seruca

02-04-2018

Os fatos à medida estão na moda. E quando alguém quer comprar um é impossível não pensar no nome de Paulo Battista, que é considerado o Cristiano Ronaldo dos fatos. É quase impossível estar na alfaiataria de Paulo Battista sem nos cruzarmos com um cliente, que até pode ser do mundo da bola. Mas conseguimos estar à conversa com o homem que colocou a alfaiataria na boca de todos os portugueses. Não nos fomos embora sem descobrir aquilo que tira Paulo Battista do sério.

“Cosido à Mão” representa a estreia em televisão. Que balanço faz desta primeira aventura na televisão?
Tudo tem acontecido muito depressa e o “Cosido à Mão” é mais um exemplo. Foi um desafio que não esperava e nem quis saber de condições. Estou sempre disponível para tudo o que seja para divulgar a costura e a alfaiataria. Atiro-me de cabeça e logo se vê o resultado. Mas sempre acreditei que fosse resultar.

Por algum motivo em especial?
Os portugueses vieram quase todos do têxtil. Costumo brincar e dizer que todos temos uma costureira na família, todos temos algo a ver com a costura. E acreditava que ia prender as pessoas à televisão. Acabo por fazer um balanço muito positivo, até porque antes do programa nunca tinha visto ilhas de máquinas de costura à venda nas lojas. Espero que cada vez mais gente se interesse por isto porque somos demasiado pequenos para tantos doutores. Quero o melhor para os meus filhos, quero que vão para a faculdade, mas continuamos a precisar de padeiros, canalizadores.

Por falar nos filhos, têm interesse pela alfaiataria ou já estão fartos por causa do pai?
O mais velho [Rafael, 15 anos)] não quer saber disto. Está a estudar artes e diz que vai seguir arquitetura. O do meio [Miguel, 10] não quer estudar e já disse que gostava de vir para aqui. O que costumo dizer é que se quiser ser padeiro, tem de ter o melhor pão da zona. A mais nova [Renata, 7] gosta de costurar e vai brincando com uma máquina de costura que lhe ofereci. Gostava que seguissem, mas acima de tudo espero que o sucesso do programa junto dos mais novos os desperte para esta área.

“Quero o melhor para os meus filhos, quero que vão para a faculdade, mas continuamos a precisar de padeiros e de canalizadores”

Acaba por ser curioso que a alfaiataria lhe esteja a dar tanto na vida apesar de ter sido algo que não procurou…
Nada! Estudei artes, a turma era pequena e era o único que não queria seguir estilismo ou design de moda. Mas sempre fui bom aluno a geometria descritiva e quando surgiu a oportunidade de aprender alfaiataria gostei logo da parte do corte, que é um pouco matemática. Não sou dado a moda ou criações. Sou um artesão, executo, faço os meus fatos e tenho a sorte de as pessoas gostarem.

Ainda no campo das curiosidades, existe uma história que muitos desconhecem em relação ao apelido Battista. A duplicação de letras não foi para parecer cool.
Durante muito tempo trabalhei em casa à noite. Tinha o meu emprego e depois cosia em casa. Para não existir nenhuma confusão com a entidade patronal, criei o nome À do Alfaiate. Quando comecei a trabalhar para mim disseram-me que tinha de assinar as minhas peças. Pedi para me tratarem do lettering e fiz a minha assinatura. Quando fizeram aquilo, enganaram-se e colocaram mais um T. Acabou por ficar.

Muitas pessoas acreditam que o Manuel Luís Goucha é o seu primeiro cliente famoso, mas na realidade foi o primeiro cliente.
Costumam dizer que para construir uma pirâmide começamos por baixo. No meu caso, foi pelo topo, no que aos clientes diz respeito. É um senhor da televisão e foi o meu primeiro cliente.

“Não sou dado a moda ou criações. Sou um artesão, executo, faço os meus fatos e tenho a sorte de as pessoas gostarem”

A sua infância não foi fácil. Isso ajudou a ter um foco em relação ao futuro?
Sempre se falou muito da minha infância. Se calhar vi coisas que muitas pessoas não viram, se calhar não fui por determinados caminhos por sorte, porque se despertou algo em mim. Mas sempre fui muito focado. Tenho orgulho do sítio de onde vim e não trocava a minha vida pela de ninguém. Mas sabia que não era ali que queria ficar em adulto. Até para mostrar ao pessoal do meu bairro que é possível. Porque toda a gente nos diz que não, porque todas as portas se fecham. Podia andar com histórias a dizer que era daqui ou dali mas é a minha história de vida, da qual me orgulho imenso.

A alfaiataria transformou-se numa moda?
Quando comecei a alfaiataria os meus amigos brincavam a dizer que trabalhava com velhos. E sempre soube que era possível trabalhar para malta nova. E a faixa etária dos meus clientes mostra isso mesmo. Coincidência ou não, nunca se falou tanto de alfaiataria como desde o momento em que se começou a falar da marca Paulo Battista. E tenho muito orgulho nisso.

Existe do mito que para ser seu cliente é preciso ter a carteira recheada…
Um fato que leva 50 horas de trabalho e que, infelizmente, não tem nada nacional tem de ser pago. Mas costumo transformar isto ao contrário. Quem vier aqui e depois for a Londres pedir o mesmo fato irá perceber que o meu custa menos de metade. A alfaiataria em geral não é cara.

Já recusou algum fato?
Muitos! Pessoas que estiveram na Avenida da Liberdade e querem reproduzir um fato que viram. Para isso, vão lá comprá-lo. Faço os meus fatos.

Se comprar um fato antes de me ir embora, já sou um dandy?
É uma pergunta simpática porque as pessoas pensam que é preciso ter barba e outras coisas para ser dandy. É preciso teres valores pois só a imagem não chega. Mas ter esse cuidado com imagem associado aos valores e respeito pelos outros é bom sinal.

Não saímos da alfaiataria de Paulo Battista sem descobrir o que tira o alfaiate do sério

Fotos: Impala

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Artigo de
Bruno Seruca

02-04-2018



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