Iordanov: “Os 3-6 de 1994? Hoje em dia, ainda não sei o que aconteceu”

Iordanov: “Os 3-6 de 1994? Hoje em dia, ainda não sei o que aconteceu”

Entrevistas

Iordanov: “Os 3-6 de 1994? Hoje em dia, ainda não sei o que aconteceu”

A poucos dias do decisivo Sporting-Benfica, falámos com Iordanov, o búlgaro mais português de todos os tempos, que tinha especial queda para marcar golos ao eterno rival, mas contra quem sofreu a maior desilusão da carreira.

Artigo de André Cruz Martins

03-05-2018

Chegou ao Sporting no verão de 1991 e foi apresentado aos adeptos durante um meeting de atletismo, com Sousa Cintra a irromper pela pista de tartan e a obrigar à interrupção da competição. Ninguém imaginaria que aquele búlgaro de 23 anos se iria transformar num dos maiores símbolos do clube de Alvalade, mas a verdade é que rapidamente ganhou a admiração dos adeptos, por quem era carinhosamente tratado por “mochilas” pela forma curvada como corria.

Foi essencialmente ponta de lança, mas também médio defensivo e até defesa central. Marcou 70 golos nos 222 jogos que realizou de leão ao peito e era o capitão de equipa na célebre temporada de 1999/2000, em que o clube quebrou o jejum de 18 anos sem o título de campeão nacional.

Nos seus tempos em Portugal também passou por momentos muito complicados, nomeadamente um grave acidente de viação e a terrível notícia que conheceu aos 28 anos, quando lhe disseram que sofria de esclerose múltipla, uma doença incurável. Hoje em dia vive na Bulgária, mas não esconde que viria a correr para Portugal se o Sporting o quisesse de volta.

Continua a acompanhar o Sporting desde a Bulgária? O que tem achado desta temporada?
Sim, sempre que posso vejo os jogos do Sporting. É mau sempre que o Sporting não ganha o campeonato e a equipa teve altos e baixos ao longo da época, como aconteceu com todos os clubes. Mas sem dúvida que o Sporting teve mais altos do que baixos e em alguns jogos não teve o resultado que merecia. Por exemplo, foi melhor na eliminatória com o Atlético de Madrid e acabou por ser eliminado, tendo faltado um pouco de sorte.

Evidentemente que os contextos são diferentes, mas o que acha da atual equipa do Sporting comparando com aquela que integrou na época de 1999/2000 e que foi campeã nacional?
Não quero comparar e aliás, nem o consigo fazer, pois não seria justo e o futebol de hoje em dia é diferente, mesmo tendo passado o quê, 15 anos? Já foram 18? Hoje em dia o futebol é mais rápido.

O que acha de Bas Dost, o jogador que neste Sporting joga a ponta de lança, a posição onde o Iordanov mais jogou pelo clube?
Se o Sporting contratou o Bas Dost é porque acha que ele tem qualidade. Mas não quero falar do Bas Dost, pois ele é apenas o finalizador das jogadas que são criadas pelos colegas. O que importa é a equipa.

“A claque do Sporting é muito melhor do que a do Benfica”

No próximo sábado o Sporting defronta o Benfica, num jogo decisivo para o segundo lugar. Acha que o Sporting é favorito?
Penso que o Sporting tem uma excelente equipa e toda a capacidade para fazer um bom jogo e vencer o Benfica. Ainda por cima, o jogo é em Alvalade e o ambiente será espetacular, porque a claque do Sporting é muito melhor do que a do Benfica. Já no meu tempo era muito melhor.

Mas isso não chegou nos célebres 3-6 de 1993/94.
Amigo, não me fale desse jogo. Ainda não sei o que aconteceu. Próxima pergunta, sff.

Ficava mais motivado quando jogava diante do Benfica?
Tinha o mesmo respeito por todas as equipas, mas claro que ficava mais motivado nos jogos com o Benfica e com o FC Porto, em que todo o país parava.

Tinha jeito para marcar ao Benfica, contra quem apontou três golos.
Sim, é verdade e nunca vou esquecer os golos que marquei contra eles. Num deles ganhámos na Luz por 2-1, com um golo meu de fora da área ao Preud’homme e outro do Balakov e marquei outro, também na Luz, num jogo em que empatámos 3-3. Também marquei num jogo em casa, em que o Balakov apontou o golo mais rápido da história dos dérbis [aos 12 segundos].

Por falar em Balakov, mantém o contacto com ele?
Sim, falamos pelo menos uma vez por semana e ficou uma grande relação de amizade entre nós, que começou no Sporting e na seleção búlgara e prosseguiu até hoje.

Basta ouvi-lo para perceber a sua grande emoção quando fala do Sporting. Continua a ter muito carinho pelo clube?
Terei grande carinho pelo Sporting até morrer. Vou muitas vezes a Portugal e as pessoas recebem-me muito bem. É sinal de que deixei o melhor de mim enquanto representei o Sporting.

O título de campeão nacional de 1999/2000 é a sua melhor recordação do Sporting?
As melhores recordações são dos troféus ganhos. Esse campeonato, a Taça de Portugal e a Supertaça.

Como surgiu a ideia de colocar um cachecol do Sporting na estátua do Marquês de Pombal, na noite dos festejos do campeonato?
Foi uma coisa que surgiu no momento, mas fiquei muito feliz por, enquanto capitão de equipa, ter sido o escolhido para colocar o cachecol na estátua do Marquês.

“O Serguei Bubka ia tentar bater o recorde do mundo e cumprimentou-me quando passei ao seu lado”

Há pouco falou na Taça de Portugal e o Iordanov foi o herói da final da época de 1994/95, ao bisar na vitória por 2-0 com o Marítimo, quebrando um jejum do clube de 13 anos sem ganhar campeonato e Taça. Foi o seu melhor jogo em Portugal?
Não sei se terá sido o melhor. A verdade é que só finalizei as oportunidades que foram criadas pelos meus colegas.

Conte-nos lá como foi a sua apresentação aos adeptos, em que irrompeu juntamente com o presidente Sousa Cintra relvado dentro, interrompendo um meeting de atletismo que decorria no Estádio José Alvalade.
Sim, foi incrível, invadimos a pista de tartan e o Sousa Cintra apresentou-me aos adeptos. Lembro-me que o Serguei Bubka ia tentar bater o recorde do mundo e cumprimentou-me quando passei ao seu lado. Foi um momento louco.

Quando chegou ao Sporting jogava a ponta de lança, mas no clube também foi central e trinco. Esta polivalência ajudou-o ou prejudicou-o?
Foi bom por um lado, porque fui útil em várias posições, mas por outro lado, foi mau, porque não me especializei em nenhuma posição.

Não viveu apenas momentos felizes em Portugal. Aos 28 anos, soube que tinha esclerose múltipla. Em que circunstâncias soube dessa terrível notícia?
Estava em estágio na seleção da Bulgária, a preparar um jogo muito importante com a Rússia, de qualificação para o Campeonato do Mundo de 1998. Lembro-me de estar no hospital e de o médico me dizer que aquilo não era nada, que era só um problema na minha cabeça. Mas depois lá se chegou à conclusão de que eu tinha esclerose múltipla. Quando me disseram, a noçao que eu tinha era de que se tratava de uma doença para velhos. Foi o dr. Fernando Ferreira, médico do Sporting, que me deu a notícia, em lágrimas. Ele foi de propósito à Bulgária ter comigo e disse-me que o futebol podia terminar para mim. Eu respondi-lhe que nem colocava essa hipótese e que tinha de jogar no Campeonato do Mundo que se ia realizar no ano seguinte, em França. E a verdade é que consegui realizar esse objetivo e concretizei o sonho de ser campeão pelo Sporting, três anos depois.

Como foi a evolução da doença?
Por vezes tive surtos e realizei inúmeros tratamentos, mas tive muita força, que me foi transmitida pela família e pelos adeptos do Sporting. E também por muitas outras pessoas em Portugal que nem sequer eram do Sporting. Mas esta é uma doença crónica e tive de aprender a conviver com ela. Hoje em dia, continuo a tomar medicamentos.

“Estava a viajar para a minha cidade e capotei três vezes. Puseram-me numa maca e avisaram-me logo que iria ficar muito tempo afastado dos relvados”

Em 1995, dois anos antes de saber que tinha esclerose múltipla, sofreu um grave acidente de viação na Bulgária. Como é que tudo aconteceu?
Tínhamos acabado de ganhar a Taça de Portugal e estava de férias na Bulgária. Estava a viajar para a minha cidade [Samokov] e capotei três vezes. Puseram-me numa maca e avisaram-me logo que iria ficar muito tempo afastado dos relvados. O dr. Fernando Ferreira veio-me buscar, levou-me para Portugal e estive 22 dias de cama, só me levantei a 28 de julho, no dia do primeiro aniversário da minha filha. Voltei à competição em dezembro, num jogo em que ganhámos 4-0 ao Felgueiras [treinado por Jorge Jesus], mas nunca fiquei a 100 por cento. Hoje em dia, quando muda o tempo, ainda sofro devido às lesões provocadas por esse acidente.

Tem alguma explicação para o facto do Sporting ter demorado nove anos após a sua saída até organizar um jogo em sua homenagem?
Não gosto muito de recordar esse assunto. O que interessa é que a festa se realizou e foi muito bonita. O meu obrigado a todos os jogadores e adeptos que estiveram presentes.

Voltemos a falar de coisas boas. O título de campeão nacional é quase impossível, mas se o Sporting ganhar a Taça de Portugal, virá a Portugal festejar?
Claro que sim. E se me convidarem, quando formos campeões nacionais ponho de novo o cachecol na estátua do Marquês de Pombal.

Quer deixar uma última mensagem aos adeptos do Sporting?
O meu muito obrigado pelo grande apoio que me deram desde que em 1991 cheguei a Portugal. Fico sem palavras quando me recordo do carinho dos adeptos.

Gostaria de voltar a trabalhar no Sporting?
Não é uma ideia fixa, mas os responsáveis do Sporting têm o meu número e sabem que podem sempre contar comigo. Basta dizerem-me: ‘queremos-te aqui’ e eu irei a pé desde a Bulgária. Tudo o que sou hoje em dia é graças ao Sporting.

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André Cruz Martins

03-05-2018



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