Bebé: “Já não somos a seleção do quase”

Bebé: “Já não somos a seleção do quase”

Entrevistas

Bebé: “Já não somos a seleção do quase”

O título no mais recente Europeu de Futsal colocou-o num lote restrito de apenas três jogadores portugueses que contam com um título europeu a nível de clubes e seleção. Explica qual foi o segredo para a conquista da prova.

Artigo de Hugo Mesquita

10-04-2018

Chama-se Euclides Gomes Vaz, mas no mundo do futsal é conhecido por Bebé, um dos maiores nomes da modalidade em Portugal. Os títulos falam por si: 7 campeonatos, 6 taças de Portugal e 8 supertaças. Mas o que brilha mais no currículo do agora guarda-redes dos Leões de Porto Salvo é o título de campeão europeu conquistado na Eslovénia por Portugal. Um título que, a juntar ao título de campeão europeu pelo Benfica, o coloca no lote de apenas 3 jogadores portugueses que conquistaram a Europa tanto em seleções como em clubes.

Visitámos Bebé no pavilhão dos Leões de Porto Salvo, onde o jogador nos contou tudo sobre a sua já longa carreira. Desde os tempos em que jogava nas camadas jovens do Sporting em futebol de 11, aos anos dourados no Benfica. Passando claro pelos momentos vividos durante a campanha de Portugal no mais recente Campeonato da Europa.

 

Como é que surgiu a paixão pelo futsal?

Surgiu muito tarde, até porque quando era mais novo não gostava de futsal (risos). Como todas as crianças eu queria era ser jogador de futebol de 11. Cheguei a praticar, mas tive que abandonar e, para não estar parado, optei pelo futsal. Isto com 17, 18 anos. Nunca na minha vida pensei ser profissional de futsal.

Nessa passagem pelo futebol 11, também era guarda-redes?

No futebol 11 joguei na baliza e joguei à frente. Comecei à frente com 8, 9 anos no Sporting Clube de Portugal e joguei lá durante quatro anos. Fui depois dispensado, para ser emprestado ao Fófó. Foi a minha primeira grande desilusão desportiva. Acabei por abandonar o futebol por uns anos e regressei depois, desta vez ao Sacavanense, como guarda-redes. Curiosamente, nos juvenis fiz meia época à frente e outra à baliza.

E no futebol, já mostrava os seus dotes à baliza? Tinha mais qualidade à frente ou à baliza

Muito honestamente, não tinha muita qualidade à frente, mas tinha mais do que na baliza. No futebol 11 a baliza é muito grande e como sou um jogador de baixa estatura tive sempre muitas dificuldades. Sofria muitos golos (risos).

Um guarda-redes de futsal tem que saber jogar com os pés. Essa experiência a jogar à frente no futebol de 11 foi importante?

Sim, no futsal é tudo muito diferente. Os guarda-redes são muito solicitados e a verdade é que isso ajudou-me muito.

Onde começa a aventura no futsal?
O meu último ano de júnior fiz num clube de bairro os Económicos, no bairro de Santos, em Lisboa. No ano seguinte, fui convidado para o Castelo, que tinha acabado de subir à primeira divisão. Não quis ir de início,  por achar que não tinha qualidade suficiente. Um amigo meu insistiu muito e acabei por ir. Correu bem, só fiz um ano, porque o Sporting foi buscar-me. Fiquei 3 anos no Sporting e acho que é aí que posso dizer que começou verdadeiramente a minha carreira como profissional de futsal.

“Adorei a minha passagem pelo Sporting”

Como foi para um jovem jogador chegar a um clube como o Sporting?

Foi muito bom. A equipa estava cheia de referências como o João Benedito, o Gonçalo Alves  e o Zézito. Então fui um privilegiado porque consegui beber muito dessas referências. Ainda hoje mantenho amizade com muitos deles, especialmente com o Zézito, que é a minha grande referência no futsal.

Como foi a experiência no Sporting?

Adorei a minha passagem pelo Sporting. Foi o clube que me abriu as portas para o profissionalismo. Ganhei lá tudo o que podia ganhar a nível nacional (campeonato, a taça e a supertaça). Foi uma experiência muito enriquecedora. Foram 3 anos de muita aprendizagem, de alguns momentos difíceis, e foram esses anos que me deram bagagem para  os 11 anos que estive no Benfica.

“Cresceu um amor muito grande pelo Benfica”

Depois foi para o Benfica.

Sim, foi muito difícil. A rivalidade que existe entre os os dois clubes todos nós conhecemos. As referências que tinha estavam todas no Sporting o que fez com que os primeiros meses fossem complicados. Ainda tinha a cabeça no outro lado. Mas a verdade é que, sem qualquer desprimor pelo Sporting porque serei sempre grato ao clube, ir para o Benfica foi a melhor decisão desportiva da minha carreira. Passei onze anos na Luz, no maior clube português, onde ganhei e perdi e é mesmo nos momentos mais difíceis que nós vemos a grandeza do Benfica. Eu costumo dizer que o Benfica não me deve nada e que eu não devo nada ao Benfica. Sou um privilegiado porque muitos tentam vestir aquela camisola e eu consegui fazê-lo durante 11 anos. Cresceu um amor muito grande pelo clube e serei eternamente grato.

Ficou triste com a saída do Benfica?

Fiquei triste, claro. Não com o clube, mas com algumas pessoas. Nunca direi mal do Benfica, não contem comigo para isso. Apenas não gostei da forma como as coisas foram tratadas, porque fui apenas informado dois dias antes do meu contrato acabar que não contavam. Quando um mês antes me tinham dito que contavam comigo. Apanharam-me desprevenido e eu acho que não merecia isso. Eu só queria que me tivessem avisado com alguma antecedência. Mas isso são águas passadas.

 

 

“Os títulos todos esquecem, mas a marca que deixamos como pessoa fica para sempre”

Que planos guarda para o futuro?

Quando acabar a carreira gostava de ser professor de educação física, que foi a formação que tirei. Também gostava de abrir uma escolinha de futsal, gostava de influenciar positivamente os mais jovens. Mas eu não faço planos a longo prazo porque as coisas podem mudar do dia para a noite como foi, por exemplo, a minha saída do Benfica. O meu foco agora é dar o meu melhor pelos Leões de Porto Salvo.

Qual é o legado do Bebé no futsal?

Eu quero que daqui uns anos jogadores como o Bruno Pinto, que agora tem 24 anos, se lembrem de mim quando tiverem 29, 30 anos. Tal como eu me lembrei do Zézito por exemplo. Como alguém que os levou pelos caminhos certos. O Zézito sempre me disse que o mérito é meu porque eu escolhi ouvi-lo e muitos não o fizeram. Eu quero que os mais novos se lembrem que eu os consegui influenciar positivamente. É esse o legado que quero deixar. Os títulos todos esquecem, mas a marca que deixamos como pessoa fica para sempre.

Com uma carreira tão recheada, considera-se o guarda-redes referência do campeonato português?

Eu não me colocaria num pedestal. Eu sei que sou o guarda-redes no ativo com mais títulos no campeonato, mas isso não faz de mim “a” referência. Temos jogadores como o Cristiano, o Vítor Hugo, o Marcão, o André Sousa… há muitos grandes guarda redes no nosso campeonato. Aceito antes que faço parte de um lote de guarda-redes que pode vir a ser referência para os mais novos, e isto sem qualquer falsa modéstia.

Tem ambições de estar no próximo mundial?
Tenho, tenho muita ambição. Nós temos feito uma caminhada muito interessante, culminou com este titulo no campeonato da Europa e agora queremos mais.

Qual foi o segredo para a conquista deste europeu? (Veja a resposta no vídeo)

“Já não somos a seleção do quase”

Esta seleção tinha um misto de várias gerações. Acredita que esta mescla de jogadores foi importante?

Foi fundamental. Tínhamos vários jogadores com mais de 100 internacionalizações, como eu, o Ricardinho, o Carye o João Matos. E essa experiência ajudou a que os jogadores mais jovens conseguissem mostrar a sua natural irreverência, sabendo sempre que tinham apoio do nosso lado.

A equipa tinha vários jogadores de outras equipas que não o Sporting e o Benfica. Isso foi também importante?

Muito e só mostra o bom trabalho que tem sido feito nos clubes não profissionais. Prova que a porta da seleção está aberta para todos e isso motiva qualquer jogador.

O que muda agora com este título?

Muda tudo. Já não somos a seleção do “quase”. As outras seleções já tinham respeito por nós, mas agora vão passar a ter muito mais. E eu acredito mesmo que no futuro outras gerações vão conseguir fazer ainda melhor.

“O futsal é ainda uma criança que tem muito para crescer”

Sente que Portugal é agora mais respeitado, e que já não é a seleção do Ricardinho e os outros?

Sim, e o próprio Ricardinho afirmou isso. É claro que temos que colocar o Ricardinho num patamar mais acima, até porque é o melhor jogador de futsal de todos os tempos. Mas como ficou demonstrado no Europeu, existem jogadores que, não chegando ao nível dele, conseguem estar um pouco mais abaixo e acompanhá-lo muito bem, como foi o caso do Pedro Cary e do Bruno Coelho, que fizeram uma prova estrondosa.

Até onde pode crescer o futsal?

Até onde nos deixarem. Há uns anos não éramos a modalidade de pavilhão com mais praticantes, e agora já somos. A margem de crescimento do futsal é muito grande, o trabalho da federação tem sido excelente. Eu diria que o futsal é ainda uma criança que tem muito para crescer.

A entrada do FC Porto na Liga Sportzone seria uma coisa positiva?

Tenho a certeza que sim. Basta recordar a entrada do Benfica na modalidade, que foi um autêntico balão de oxigénio. Se o Porto, sendo o clube que é, com a representação que tem, com uma tão grande massa associativa, entrar, será sem dúvida um grande empurrão para o crescimento do futsal.

Sabia que apenas o Bebé, o Ricardinho e o Pany Varela conseguiram ser os únicos portugueses campeões europeus por clubes e seleções?

Nunca tinha pensado nisso. Só soube há muito pouco tempo, por uma pessoa ligada ao futsal. É um orgulho e uma satisfação muito grande. Nunca pensei conseguir chegar a este nível, e eu tomo isto como um exemplo para os mais novos. Devem lutarem sempre por aquilo que acreditam, devem trabalhar muito.

Para finalizar, a pergunta da praxe. Porquê Bebé?

É uma alcunha que vem de há muitos anos. Eu era o mais novo e mais pequeno do meu grupo de amigos e por isso era o Bebé. Na minha família de sete irmãos, eu sou o mais novo, o caçula e por isso era também o bebé lá de casa. O pessoal do futsal apanhou isso e passaram a chamar-me também.

Fotos: Reprodução Instagram

Siga o ParaEles no Instagram
Instagram @paraelesofficial

Siga o ParaEles no Instagram
Instagram @paraelesofficial

Artigo de
Hugo Mesquita

10-04-2018



RELACIONADOS